Estou sentado, almoçando num restaurante qualquer de São Paulo.

No Brasil não é comum jantar sozinho.

Brasileiro é gregário, amistoso.

Comer sozinho faz com que as pessoas desconfiem de você.

Evitam olhar, como se você fosse pedir para sentar em suas mesas.

A vantagem é que, de onde estou, cercado de mesas ocupadas por casais, posso observar os comportamentos alheios como se fosse invisível.

Já vi e ouvi de tudo.

Uma vez um playboy se gabava sedutor para a futura conquista quando, na empolgação, disparou:

– Aí, a gente alí dançando, ela se engraçou com outro sujeito.

– E você? – a moça pergunta ingênua, dando mais uma mordida no hambúrguer.

– Ah, eu enchi a mão na cara dela.

A garota, o garçom, eu, o resto do restaurante, todos pararam de falar.

Acabou ali a noitada do moço.

Volto pro meu sanduíche.

Brigas das mesas ao lado são sempre deliciosas.

Até bem acompanhado vale ficar em silêncio para ouvir o barraco ao lado.

– Mas não dá para contar com você para nada mesmo.

– Como assim?

– Décio, escuta de uma vez: você é um bosta.

Engasgo com a farofa.

Hoje estou num bistrô.

Na mesa a minha direita, um casal de uns setenta anos de idade.

Cinquenta de casados, fácil.

Estão apaixonados.

Ele tem a mão esquerda sobre a dela para deixar a direita livre para o macarrão.

Ela olha com o orgulho como se tivesse cozinhado para o marido.

Já acabou sua sopinha.

Ele levanta a cabeça e ameaça falar alguma coisa.

Desiste.

O macarrão está bom demais.

Do meu lado esquerdo, um casal mais jovem.

Reparei desde que entraram, colados cada um em seu celular.

Entraram, sentaram e não trocaram nenhuma palavra.

Riem, fazem gestos com a cabeça, mas não se olham.

Estão entretidos demais.

A tela ilumina seus rostos como num filme de terror.

Escuto a mulher da direita cochichando para o marido:

– Que horror essa gente que não larga o celular.

Nem mesmo quando o garçom veio tirar o pedido tiraram os olhos da tela.

Já sabiam o que pedir.

– Dois Nhoques Mediterrâneo – ele pede de cabeça.

– Uma Coca Zero e uma água com limão e gelo. – ela completa batucando na tela.

Volto para o casal de apaixonados.

A sobremesa chegou.

Merengue com morangos.

Ela sorri.

Adora ver o marido dissolver o merengue na boca com um estalinho.

– Shhhh Agenor…não faz barulho!

Ele levanta a cabeça calmo.

Com um olhar entediado, foca nos olhos da mulher:

– Para mim chega.

– O que meu amor? – ela pergunta suspeitando que ele esteja satisfeito. Só eu entendi.

– Chega. Não suporto mais viver com você.

Ela retira a mão de sob a dele, lenta e tremula.

Olha para mim.

Desvio o olhar para o outro lado para não constrange-la justamente quando o sujeito grita para a mulher:

– Ganhei de novo!!!! hahahahaha. Eu sou monstro nesse jogo. – grita como se estivessem sozinhos.

A mulher joga o telefone de lado, divertida, agarra o sujeito pelo pescoço e tasca-lhe um beijo apaixonado.

– Droga! Você é demais nessa porcaria! Mas eu te amo assim mesmo. – e sorri.

Volto para a mesa da sobremesa.

Os olhos da mulher estão cheios de lágrimas, cabeça baixa.

O que ela não daria para estar enfiada num celular.