O plano de emergência elaborado pela Petrobras para resguardar a Bacia Marítima do Amazonas (o chamado ‘novo pré-sal’) em caso de vazamento de petróleo foi aprovado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), resultado esperado pelo governo Lula (PT) desde o início de 2025.
Esta etapa faz parte do processo de licenciamento ambiental para perfurar o poço FZA-M-59, zona influenciada por uma das correntes marítimas mais fortes do globo e de alta sensibilidade socioambiental.
Segundo o novo parecer do Ibama, “importantes aprimoramentos foram incorporados” ao último PPAF, reencaminhado pela Petrobras em novembro de 2024. O pedido havia sido negado em 2023, mas a empresa entrou com um recurso e o Ibama, de forma inédita, ofereceu uma nova chance.
Ambientalistas relatam ‘frustração’
Para muitos que acompanham de perto o processo na Bacia Marítima da Foz do Amazonas, que avança e retrocede desde 2014, o resultado é frustrante. Em fevereiro, a equipe técnica do Ibama havia sugerido que a presidência do órgão mantivesse a negativa ao pedido da Petrobras, alegando que o plano não previa resgate de inúmeros grupos e espécies da megafauna – incluindo aquelas ameaçadas de extinção.
“Os problemas são os mesmos. Agora vai depender de como a avaliação pré-operacional no local vai se desenrolar, o que pode ser influenciado por diversos fatores, desde as condições ambientais até limitações orçamentárias para viabilizar o acompanhamento pelo Ibama”, disse Leandro Valentim, servidor do Ibama e diretor-adjunto da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente.
Para alguns servidores de carreira ouvidos pela Deutsche Welle na condição de anonimato, a manifestação técnica da coordenação geral do Ibama parece ter sido escrita pela própria Petrobras.
Comemoração na Petrobras
Nas redes sociais, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, comemorou a resposta do Ibama ao ‘novo pré-sal’. Ela disse que a empresa está empenhada em “demonstrar que o que está previsto para essa perfuração é o maior plano de emergência individual já visto para águas profundas e ultraprofundas”.
Num ato falho, Chambriard compartilhou a nota oficial do Ibama, chamando o texto de “nosso comunicado à imprensa”.
O que foi resolvido
A lei brasileira exige a apresentação de um plano de emergência das empresas mesmo que o licenciamento esteja na fase de estudo de viabilidade, como é o caso do bloco 59. Esse plano deve detalhar tudo o que será feito e quais setores são responsáveis pelas ações a serem desencadeadas imediatamente após um incidente. Isso inclui recursos humanos, materiais e equipamentos para prevenção, controle e combate à poluição das águas.
O novo PPAF da Petrobras prevê a construção de um centro de fauna em Oiapoque, Amapá, para receber animais resgatados em caso de vazamento. O transporte da região afetada até essa base levaria entre 10 e 12 horas, segundo o plano, prazo dentro do manual de boas práticas, que estipula como aceitável o tempo máximo de 24 horas.
Uma outra unidade, em Vila Velha do Cassiporé, no Amapá, também foi incorporada ao PPAF. Lá, diversas embarcações de monitoramento e resgate, com possibilidade de transporte aéreo a partir da sonda de perfuração, devem ficar à disposição. No plano anterior, a principal rota de resgate proposta pela empresa era até o porto de Belém, Pará, com deslocamento previsto entre 22 e 31 horas – com embarcação rápida.
‘Novo pré-sal’ é obsessão de Lula
O presidente Lula afirmou, em fevereiro: “Nós precisamos autorizar que a Petrobras faça pesquisa [na Margem Equatorial], é isso que queremos. Se depois vamos explorar é outra discussão, o que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, e parece que é um órgão contra o governo”.
O petista comprou uma briga que já era travada pelos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, além do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e pela própria petroleira, que classifica o projeto como o “novo pré-sal”, em alusão à descoberta que alavancou a indústria brasileira de combustíveis às vésperas da reeleição deste mesmo Lula, em 2006.
A comparação ajuda a explicar o desejo do petista. Neste início de 2024, a economia registra indicadores de pleno emprego e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), mas o governo vê sua popularidade em queda — a aprovação de Lula caiu para 24%, a pior de todos os seus mandatos, segundo o Datafolha — e a inflação preocupa a menos de dois anos de uma nova eleição presidencial.
“O governo não tem mais munição fiscal e há uma elevação na taxa de juros. Se a economia desacelerar, como é esperado, haverá uma razão ainda mais forte para queda na aprovação“, disse à IstoÉ Marcelo Neri, professor de economia da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas) e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Pressionado pelo que vislumbra, Lula vê na Margem Equatorial a perspectiva de exploração de 10 bilhões de barris de petróleo, uma cadeia de criação de até 350 mil empregos e uma oportunidade sólida de atrair investimentos estrangeiros, conforme projeções do Ministério de Minas e Energia.
Mais do que isso, o Planalto encara a possibilidade de evitar nova fadiga. A pasta projeta que, com o bolsão atual de reservas, o Brasil corre risco de voltar a ser um importador de petróleo entre 2036 e 2039, cenário que afasta investidores e restringe o poderio econômico do país no cenário internacional.
À IstoÉ, o diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, disse haver uma justificativa clara para a mobilização do governo pela exploração e considerou o Ministério de Minas e Energia correto ao tratar a região como o “novo pré-sal”. E Lula, como já se ouviu, não nega o desejo de entregar um governo que seja um “espelho melhorado” de seu primeiro.
Para Adriano Pires, há uma “ideologia que demoniza o petróleo” e “um certo ambientalismo xiita” na resistência ao aval.
Ex-presidente da autarquia e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo disse à IstoÉ que a postura do Ibama ao demorar para autorizar nunca teve razões políticas, visto que a equipe de licenciamento do órgão é “preparada tecnicamente e já concedeu mais de duas mil licenças de perfuração”.
“Cabe questionar as razões de a Petrobras demorar anos para cumprir as exigências que a empresa sabe que são necessárias em um processo desse tipo”, prosseguiu. A petroleira, por sua vez, argumentou que fez e entregou ao Ibama os resultados de estudos de identificação dos possíveis impactos ambientais e se propôs a promover medidas de mitigação, controle e monitoramento dos impactos da atividade.