Os prédios erguidos nas últimas décadas no Tatuapé parecem nanicos perto dos novos arranha-céus em obras no distrito da zona leste de São Paulo. Em 2021, a região passará a ter o maior residencial e o maior edifício da cidade, destronando um recorde de mais de cinco décadas do Mirante do Vale, no centro.

Mais do que isso, as construções também devem consolidar a região como polo corporativo e residencial de alto padrão, rivalizando com eixos da zona sul. Para a incorporadora responsável pelos projetos, o Tatuapé poderá se tornar uma versão “melhorada” da Avenida Berrini, com funcionamento não restrito ao horário comercial.

O futuro maior prédio de São Paulo é o Platina 220, com 172 metros de altura, 2 a mais do que o atual recordista. Ele terá uso misto e reunirá, em uma única torre, quartos de hotel, apartamentos (de 35 a 70 m2), escritórios, lojas e lajes corporativas.

Esse tipo de perfil de uso se repete com pequenas variações nos demais cinco edifícios do chamado Eixo Platina, idealizado pela incorporadora Porte. Parte dos demais lançamentos inclui também coworking, centro de convenções e o que é anunciado como o futuro maior teatro da América Latina.

Moniza Camilo, coordenadora de incorporação e novos negócios da empresa, afirma que esse modelo é uma forma de atender uma demanda da população local que, ao ascender profissional e economicamente, acaba migrando para outras regiões da cidade, mais próximas dos atuais eixos de negócios.

“É uma forma de tentar promover um equilíbrio em São Paulo, de trazer equipamentos que fazem sentido para a região”, justifica, ao citar lajes corporativas e apartamentos pequenos como exemplos. Para ela, esse tipo de empreendimento também pode atrair moradores de outras partes da cidade para o Tatuapé.

Paralelo à Radial Leste e a estações de metrô, o Eixo Platina aplica propostas urbanísticas incentivadas pelo atual Plano Diretor, como a fachada ativa (comércio no térreo), por exemplo, e também se propõe a alargar as calçadas do entorno e investir em paisagismo e mobiliário urbano. Por outro lado, outro empreendimento da Porte no distrito, o Figueira, futuro maior residencial da cidade, desbancando o Complexo Cidade Jardim, na zona sul, tem 168 metros porque foi projetado antes da mudança na legislação, que hoje restringe espigões nos miolos de bairro.

Com entrega para junho, o Figueira é focado em um público que o mercado chama de “premium” e, por isso, deve ter impacto reduzido no fluxo de moradores no entorno. Ao todo, são 48 apartamentos, dos quais 47 deles têm 337 m2, quatro suítes e cinco vagas, além de uma cobertura duplex com 594 m2.

Moradores divididos

A novidade é tema frequente nas ruas e nas redes sociais de moradores da região, que estão divididos. Enquanto parte usa adjetivos como “horrível”, “cafona”, “desnecessário” e “esquisito”, a outra comenta com “maravilhoso”, “magnífico” e “top”.

Os mais saudosistas lembram de décadas passadas em que a região praticamente não tinha construções verticais. Outros brincam com a situação, dizem que a sombra chegará até outros distritos da zona leste e fazem comparações com Balneário Camboriú, cidade catarinense que concentra os maiores arranha-céus do País, inclusive o recordista nacional, com 280 metros de altura (o mundial fica em Dubai, com 829m).

Morador do distrito, o urbanista Lucas Chiconi é crítico de alguns aspectos dos projetos, especialmente após um dos empreendimentos do Eixo Platina demolir um terço de uma antiga vila. “Era um dos nossos referenciais mais afetivos”, diz sobre o conjunto, cuja maior parte restante foi posteriormente derrubada por outro proprietário sem ligação com a incorporadora.

Ele também lamenta que esse aumento do interesse pela região leve ao encarecimento do custo de vida local, o que afirma já ocorrer com a saída de moradores para bairros mais distantes. “Esse progresso é para quem? O preço das coisas está aumentando”, questiona.

Também urbanista e da região, Cirlene Mendes da Silva é mais otimista em relação aos projetos e fala do potencial para aproximar a moradia do emprego, mantendo a população da zona leste na zona leste. Ela destaca que o distrito começou a se verticalizar mais a partir dos anos 90. O movimento – no começo mais pronunciado no bairro Anália Franco , ganhou reforço no comércio e serviços paulatinamente, em especial após a inaugurações de shoppings. Antes disso, a chegada do metrô já havia transformado a região.

“O Tatuapé sempre teve um uso preponderantemente residencial. Desde a década 70/80, muita gente de outros bairros da zona leste ia ao Tatuapé pela maior oferta desses serviços e comércio”, diz. “Havia prédios comerciais mais esporádicos, mas não corporativos para empresas grandes, multinacionais. Tinha escritórios com médico, dentista, advocacia. Dentro da zona leste, é o distrito com maiores condições, vai trazer outro padrão para o Tatuapé.”

Passado e futuro

O processo de verticalização em São Paulo começou na primeira década do século 20, no centro, e se expandiu nas seguintes, com construções hoje icônicas, como os edifícios Martinelli, Altino Arantes (atual Farol Santander), Mirante do Vale e Itália. Esse movimento se expandiu por outros distritos, mas mudou com a criação de leis que cobram para construir acima do coeficiente máximo mínimo e limitam a altura limite.

Hoje, dos 25 arranha-céus construídos ou lançados, 17 estão na zona sul, especialmente nos distritos de Itaim Bibi, Morumbi e Santo Amaro. Na zona leste, os únicos representantes são os ainda não entregues Figueira e Platina 220 e o Josephine Baker, inaugurado em 2014, na Vila Formosa, com 143 m.

Como explica a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie Nadia Somekh, a capital teve uma redução no ritmo de verticalização em 2004, que acabou se tornando mais intensa em outros municípios da região metropolitana. “(A verticalização) é resultado do movimento dos capitais e dos interesses do setor imobiliário, mais do que a regulamentação”, diz autora do livro A Cidade Vertical e o Urbanismo Moderno.

Hoje, o desenvolvimento desse mercado ocorre de forma fragmentada, em submercados aquecidos, a exemplo do Tatuapé ou de eixos da zona sul, como o entorno das Avenidas Berrini, das Nações Unidas e Chucri Zaidan, dentre outras. Mesmo com a retomada mais recente, a especialista destaca que a demanda por grandes edifícios corporativos pode mudar com a permanência do home office ou trabalho híbrido após a pandemia.

Doutorando em Arquitetura e Urbanismo e diretor de uma incorporadora, Hugo Louro e Silva explica que a verticalização é um procedimento que depende de maior investimento, para adotar-se tecnologias e técnicas que garantam a segurança e efetividade da construção. “É muito mais caro construir do que um prédio de 18 ou 20 andares.”

Por isso, ele ressalta, esse tipo de construção acaba restrito a áreas mais valorizadas, nas quais as incorporadas têm mais certeza da procura. Dentro dessa lógica, ele vê que o perfil do Tatuapé deve mudar ainda mais. “Em curtíssimo prazo, vai virar um mix da densidade de Moema (mediana) com a solução geométrica de Balneário Camboriú. E pode ser que isso ocorra daqui a 20 anos na Penha ou no Belenzinho.”

Mirante do Vale

Erguido aos pés do Vale do Anhangabaú e do Viaduto Santa Ifigênia, o Edifício Mirante do Vale chega aos 54 anos em um momento de renovação. Hoje ainda o maior prédio da cidade e antes o mais alto do País por décadas, está em um processo de conversão de uso informal, em que ao menos dezenas de conjuntos estão sendo transformados em apartamentos, atraindo moradores pela primeira vez.

Também chamado de Palácio W. Zarzur, o prédio é originalmente comercial, reunindo milhares de escritórios de empresas e profissionais liberais, e passou a viver a transformação recente ao adotar uma portaria 24 horas. Isso atraiu o interesse de compradores de diferentes portes, que, com uma única unidade ou várias em diferentes andares, apostam em locação de curto e de longo prazo ofertada em plataformas como Airbnb, Booking e Quinto Andar, e também por meio de imobiliárias.

Uma dessas pessoas é a produtora Viviane Dias, de 37 anos, que está terminando a reforma de uma unidade do 24.º andar, cujo andamento divulga em um perfil de Instagram chamado Loft Mirante do Vale. Vizinha do prédio, ela percebeu por acaso que as luzes durante a noite se tornaram mais frequentes e resolveu se informar na portaria. Em menos de um mês, já tinha adquirido o imóvel.

“A gente sabe que é uma região de muita procura, de gente para fazer curso, trabalhar, conhecer a região, que tem turismo no entorno”, justifica. Para ela, o Mirante pode se tornar “o novo Copan” – cujos apartamentos atraem ensaios fotográficos, turistas e paulistanos pela paisagem – se receber mais investimentos em melhorias.

Um dos setores que também têm apostado no prédio é o de coliving, com ao menos duas empresas do tipo com apartamentos em obras ou já ocupados, com o formato de morador único (pelo tamanho dos espaços, adaptados para ser um studio ou quitinete). Uma delas é a Yuca, que tem duas unidades no edifício, ambas com fila de espera.

Segundo Rafael Steinbruch, sócio-fundador da empresa, o Mirante chama a atenção pela localização e acessibilidade a diferentes tipos de transporte e atrações, além da vista. “Para o paulistano, ainda existe muita desconfiança com o centro. Tem até maior aceitação com gente de fora”, diz ao citar um dos inquilinos que ele tem no prédio, um francês.

“É um exemplo de que diferentes usos conseguem conviver harmoniosamente, é democrático, não sobrecarrega o prédio. É muito mais sustentável o uso misto do que o uso só residencial ou comercial”, defende.

Até hoje, a empresa que construiu o edifício, a W. Zarzur, ocupa os últimos andares, onde estão seus escritórios e cuja cobertura costuma alugar para festas e eventos. “Foi muito arrojado naquele momento fazer mais de 50 andares, de levar material lá em cima. A logística era muito diferente do que se vivia no contexto na época, sem grua, sem concreto bombeado”, comenta Rogério Atala, diretor executivo de engenharia.

Projetado pelo engenheiro Waldomiro Zarzur juntamente com o arquiteto engenheiro Aron Kogan, o prédio tem 51 andares e 170 metros. Para Atala, mesmo com um edifício em obras no Tatuapé prestes a se tornar o maior da cidade, o Mirante seguirá um ícone. “Ser mais alto não é só o que vale. A vista que tem aqui é algo único e gera curiosidade.”

Embora diga desconhecer o uso misto informal, ele crê que o espaço tem potencial para atrair moradores. “Se isso acontecer, acho que vai ter uma demanda. Os jovens estão querendo voltar a morar no centro.” Procurada, a administração do edifício negou haver apartamentos no local e não concedeu entrevista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.