24/08/2021 - 17:00
Com uma nova tentativa de votação prevista para esta semana na Câmara, o projeto que altera o Imposto de Renda pode aprofundar o “fosso” que existe hoje entre a tributação que é cobrada do empregado com carteira assinada e a dos sócios de empresas que pagam pelo lucro presumido, um regime de tributação simplificado, muito usado por médicos, advogados, dentistas, contadores e economistas.
Essas distorções podem fazer, por exemplo, com que a alíquota que incide sobre a remuneração de um sócio, que hoje já é três vezes menor do que a de um trabalhador assalariado, fique em alguns casos até cinco vezes mais baixa.
Se o parecer do relator do projeto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), for aprovado como está, estimulará ainda a ampliação do fenômeno que existe no Brasil de “pejotização”, atesta o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
A “pejotização”, que nasceu em meados da década de 90 e proliferou nos anos seguintes, tem feito com que profissionais se transformem em sócios de empresas dos regimes simplificados de tributos (Simples e lucro presumido) para pagar menos imposto e mascarar um vínculo empregatício. Do jeito que está, a reforma pode fazer, inclusive, com que as empresas se fragmentem para manter a isenção.
O parecer beneficia, principalmente, profissionais liberais, como advogados, médicos e economistas, de renda alta e média alta. Segundo Appy, acima de R$ 5 mil já é muito vantajoso uma pessoa física “virar” empresa do Simples.
De acordo com cálculos feitos por ele, a tributação sobre a remuneração do trabalho de um sócio de uma empresa que recebe R$ 20 mil por mês cai de 11,3% para 7,3%, enquanto a de um trabalhador assalariado recua apenas 0,7 ponto porcentual, de 44,4% para 43,7%.
Em outro exemplo, com o parecer de Sabino, um sócio de uma empresa do lucro presumido que tenha uma renda de R$ 100 mil por mês passa a ser tributado em 7,9%, ante 11,9% na alíquota atual. Um empregado formal com a mesma renda terá uma queda da tributação de 45,7% para 45,6%. Ou seja, apenas 0,1 ponto porcentual, devido ao efeito da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
“A reforma tributária deveria reduzir essa diferença, e não aumentar. Um bom sistema tributário tem de fazer com que rendas equivalentes sejam tributadas de forma equivalente”, diz Appy. Para ele, a sociedade brasileira não pode ficar quieta assistindo a essa situação porque “advogados, médicos e outros profissionais” estão “chiando” porque vão pagar mais imposto, quando, na prática, já pagam muito pouco. “É ridículo. Eu mesmo, como economista, sou beneficiado por isso, já pago pouco imposto e vou pagar menos ainda”, critica o diretor do CCiF.
As distorções aumentaram depois que Sabino isentou totalmente as empresas do lucro presumido que faturam até R$ 4,8 milhões por ano e as do Simples de pagar o Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos a sócios, o que acaba funcionando como salário em boa parte dessas companhias. E, por outro, reduziu em 10 pontos porcentuais o IR que incide sobre o lucro das empresas: Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (8,5 pontos porcentuais) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (1,5 ponto porcentuais).
Simulações
De olho nos rumos do projeto, Appy passou os últimos dias fazendo uma série de simulações, usando uma metodologia ampla que considera a tributação incidente sobre a renda (tributos sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas) e as contribuições incidentes sobre a folha de salários (empregador e empregado).
Na sua avaliação, a inclusão das contribuições sobre a folha de salário no cálculo é importante, porque os tributos que incidem sobre a folha e não geram benefícios para os trabalhadores (como a contribuição patronal acima do teto do salário de contribuição ao INSS) são, efetivamente, uma taxação sobre a renda do trabalho.
Como as contribuições sobre a folha financiam benefícios para os trabalhadores, como aposentadoria e o FGTS, Appy também fez projeções com a tributação líquida, descontando o valor presente desses benefícios. O economista pôde verificar, inclusive, que, para um sócio do Simples com renda mensal de R$ 10 mil, o valor dos benefícios excede a taxação – ou seja, no final, ele recebe mais benefícios do que foi tributado.
A votação do parecer foi adiada por três vezes, mas conta com o patrocínio do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Lira quer aprovar o texto mesmo com as resistências.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.