Em meio a uma pandemia que já infectou quase 5 milhões de pessoas pelo novo coronavírus no Brasil, alguns técnicos de futebol não passaram ilesos e foram contaminados pelo vírus. Os treinadores que contraíram a doença ficaram longe de suas atividades por alguns dias e, mesmo os que não apresentaram sintomas, passaram por período em que tiveram que controlar a ansiedade e outras questões que os afligiram.

O Estadão reuniu depoimentos de seis treinadores que tiveram suas rotinas interrompidas por um tempo após terem testado positivo para a covid-19: Vanderlei Luxemburgo, Ramon Menezes, Dorival Junior, Thiago Larghi, Umberto Louzer e Eduardo Baptista.

Eles contaram o que fizeram em suas casas para reduzir a ansiedade, como assistir séries, estudar futebol e ler livros, e revelaram os sentimentos desenvolvidos no período enclausurado. Alguns mostraram maior preocupação com a saúde por pertencer ao grupo de risco, outros conseguiram enfrentar o isolamento com mais tranquilidade. A maioria revelou sentimento de ansiedade e impotência diante do impedimento de trabalhar por quase duas semanas.

Confira abaixo os depoimentos:

VANDERLEI LUXEMBURGO, técnico do Palmeiras

“Passei assintomático. Sou igual vara de marmelo: envergo, mas não quebro. Não tive nada sério, parece que não tive a doença. Passei muito bem. A única coisa que incomodou é que parecia que eu estava preso. Minha mulher chegava, batia na porta do quarto e falava “almoço”, “janta”, “café”. Aí ela deixava a bandeja na porta, eu pegava e comia. Isso era deprimente, muito ruim. Pensei: “estou preso”.

Quando testei positivo, mandei todos saírem de casa. Cheguei no apartamento, tirei a roupa, deixei para lavar e fui direto para o quarto. Minha esposa deixou tudo separado lá para eu não sair e expor minha família. Fiquei 12 dias naquele quarto, com computador, trabalhando, lendo, vendo futebol e o que estava acontecendo.

Os médicos do Palmeiras me deram muita vitamina. É muito importante ter imunidade e se preparar antes de ter covid-19. Se estiver com a imunidade boa, com certeza esse negócio bate, encontra resistência e vai embora. Se tiver uma brecha, ele vai te pegar e te machucar.”

DORIVAL JUNIOR, ex-Athletico-PR

“É uma situação complicada. Você tem que se isolar totalmente, mas é uma necessidade. Você fica inibido, sem sair de casa, e, queira ou não, é uma situação difícil. Mas eu tentei enfrentar da melhor forma e me preparei emocionalmente para isso. Eu procurei aproveitar o tempo livre o máximo possível com leituras, vendo jogos, estudando um pouco dentro das condições que se apresentavam e também assistindo a algumas séries.

Fiquei totalmente assintomático, sem dor nenhuma. Encarei com naturalidade, tranquilidade. O que tive foi uma ansiedade natural. Fiquei aguardando a autorização para retornar. Passei um período tranquilo, totalmente sozinho, fechado no meu apartamento, em Curitiba.

Estava bem tranquilo. É uma sensação de impotência estar acompanhando tudo o que está acontecendo e não poder participar, mas não é um problema tão sério. O ser humano tem que ter resiliência de saber enfrentar um período de dificuldade e saber tirar o melhor proveito possível dessa adversidade.”

RAMON MENEZES, técnico do Vasco

“Não foi fácil esse período. A situação é atípica, todos nós, profissionais, corremos riscos. O tempo demora a passar e o receio de ter algum sintoma é contínuo. A cabeça fica a mil.

Minha rotina é muito ligada ao clube, muito forte. Sempre chego cedo e saio tarde, trabalho praticamente 24 horas por dia. Vivo intensamente o Vasco, então é difícil ter de mudar a rotina dessa forma e se isolar da família e trabalho de uma hora para outra.

Foi isso o que mais senti. Fiquei muito chateado com a notícia. Felizmente não senti nada, mas é claro que a atenção aos possíveis sintomas do novo coronavírus e às reações fica maior.

Fiquei muito preocupado com a minha família, mas felizmente ninguém teve o vírus detectado. Assusta saber que estamos positivos para o coronavírus e, nessa situação, qualquer reação do corpo diferente do normal nos faz pensar no pior. Porém, graças a Deus, não tive nada e estou recuperado e de volta ao trabalho.”

UMBERTO LOUZER, técnico da Chapecoense

“Foi muito ruim o período de isolamento. Adoro o dia a dia no clube, sempre chego cedo para planejar as sessões de treinamento e, quando você interrompe essa rotina, acaba sendo ruim. Mas era uma situação em que não tinha escolha e o isolamento era fundamental para a saúde de todos. Não tive problema grave. O que tive foi a perda do paladar e do olfato, mas é claro que gera medo, uma angústia por se tratar de uma doença nova, desconhecida. Felizmente não tive nenhum tipo de sequela.

Quando você recebe a notícia é muito desagradável, causa impacto. Fiquei incrédulo porque não tive nenhum sintoma. Você começa a pensar nos dias distantes da rotina de trabalho e isso é muito ruim. Mas demos um jeito de nos comunicar com os atletas e acabei perdendo três sessões somente de treinos. Se eu tivesse que ficar um período maior em isolamento, pensamos em colocar um telão ou uma televisão ao lado do gramado para que pudesse assistir ao treinamento em tempo real. Felizmente não foi preciso.

THIAGO LARGHI, ex-Goiás

“Fiquei me cuidando bastante no período do isolamento. Segui me hidratando, me alimentando bem e tomei a medicação recomendada pelos médicos. Mantive reuniões periódicas todos os dias pela noite com a comissão técnica, e também de manhã para definir os treinamentos. Também acompanhava por meio de imagens e via vídeos gravados no clube. Foi ruim ficar longe do time, obviamente, mas usamos a tecnologia para manter a qualidade e o alto padrão dos treinos. Porém, é claro que não é como se eu estivesse no local, com a saúde plena. Houve um sentimento ruim, mas consegui lidar bem com isso.

Eu não fiquei assintomático. Tive febre dois dias, que foi se acentuando, e também senti cansaço. Quanto à questão mental, foi tranquilo. Não tive angústia e medo. Fiquei pouco preocupado porque os sintomas foram fracos. Consegui monitorar a questão da saturação do oxigênio por meio de um oxímetro e meu corpo respondeu bem, apesar de ter ficado um pouco debilitado.”

EDUARDO BAPTISTA, ex-CSA

“Quando testei positivo, eu tive a sorte de estar em Campinas, onde tenho residência. Fiquei 10 dias dentro de casa, e minha maior preocupação na época era o medo de transmitir o vírus para minha esposa, filhos, sogro e sogra, que são do grupo de risco. Você vê as notícias chegando e fica apreensivo.

A sensação é de apreensão, de impotência por não poder fazer nada, ter que ficar trancado e a ansiedade também é muito grande. Mas também fiquei aliviado por não ter tido um sintoma grave, apenas dor de cabeça.

O que me assustou foram as notícias em relação ao vírus. Mas sei que no futebol pouca gente teve complicação. A grande maioria tem uma saúde muito boa, então isso que me deixava mais tranquilo.

Não poder trabalhar me atrapalhou demais. Sempre fazíamos reuniões por videoconferência, mas o treinamento não é tão simples. O comando é no olho no olho, está na vivência física. Fiquei dirigindo o CSA dois jogos à distância e isso é muito ruim. Fiquei limitado.”