O novo disco do contratenor Philippe Jaroussky, La storia de Orfeo, lançado no Brasil pela Warner Classics, tem como tema a figura do músico e poeta da mitologia grega, capaz de encantar a todas as coisas com a sua música. “Não era uma ideia original, outros artistas já fizeram algo parecido. Mas eu queria revisitá-lo e, então, tentei descobrir um viés diferente, que soasse diferente”, ele explica.

A lenda de Orfeu, que desce ao submundo em busca de sua amada Euridíce, morta no dia dos casamento dos dois, está ligada de maneira indissociável à história da ópera. O gênero surge em Florença, no final do século 16, propondo uma nova relação entre texto e música, na qual a música está a serviço da compreensão do poema e de seu significado. Nas palavras de um de seus idealizadores, Vincenzo Galilei, era preciso, ao escrever a partitura, “penetrar no espírito do verso”.

Exemplo dessa proposta é a Euridice, do italiano Jacopo Peri, a mais antiga ópera a ter sobrevivido. Anos mais tarde, com La favola de Orfeo, Monteverdi levaria o gênero a uma maior sofisticação: a música, agora, não apenas se fundiria com o poema, mas passaria a integrar a própria essência da evolução do drama. Com o tempo, porém, a atenção à palavra levaria a um foco extremado no cantor, com as habilidades vocais se sobrepondo ao todo indivizível do drama monteverdiano. Isso levaria, nos séculos seguintes, a uma série de reformas – uma das mais importantes levada a cabo por Gluck, autor, olha eles lá de novo, de Orfeu e Eurídice.

O viés diferente encontrado por Jaroussky foi dar a Eurídice, que em Monteverdi, por exemplo, é uma personagem pouco explorada, maoir importância. Sua “história de Orfeu”, assim, coloca como protagonista o amor do personagem por sua noiva, recontando a lenda por meio de trechos de obras de diferentes compositores, intercalados em busca de novas possibilidades de significado (e com a participação da soprano Emöke Barath).

Mas o mais fascinante aspecto da audição é a (re)descoberta de autores que estão longe de gozar da fama e reputação de Monteverdi, também presente na coletânea. Um deles é Antonio Sartori, cuja escrita em Orfeo traz uma série de novidades formais, fundamentais para o desenvolvimento do gênero operístico. O mesmo, talvez, não se possa dizer de Luigi Rossi, autor de Orfeo, apresentada em Paris em 1647 (prova de que a ópera, nascida pouco antes na Itália, seria logo aceita em outros centros europeus). Mas pouco importa, na verdade. Se sua obra costuma ser criticada pela ausência de ligação dramática entre os números, a presença no disco de passagens como Mio ben ou Che dolcezza è la certezza, vistas de forma isolada, revelam um lirismo sensual que ajuda a explicar o impacto que a ópera pode provocar quando interpretada por mestres como Jaroussky, Barath e os músicos do conjunto I Barocchisti.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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