Desde o ano passado, o País sabia que o fim do auxílio emergencial em dezembro ampliaria o drama dos trabalhadores informais ao mesmo tempo em que a pandemia se agravava. Mesmo assim, o ministro Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro não prepararam um plano para sua retomada que evitasse implodir o teto de gastos. O resultado se viu na aprovação da PEC Emergencial pelo Senado, em segunda votação, na quinta-feira, 4. A dívida pública vai aumentar e a ameaça ao teto permanece.

FURA TETO? Os congressistas se recusaram a cortar recursos para a Saúde e Educação como desejava o ministro Paulo Guedes (acima) (Crédito:Marcos Oliveira)

O principal incentivador para o drible no teto de gastos foi o próprio presidente Bolsonaro. Contra a orientação de seu ministro da Economia, ele incentivou parlamentares a excluírem o programa Bolsa Família do limite constitucional de gastos. O objetivo era abrir espaço para emendas aos aliados e a obras visando sua reeleição. O movimento derrubou a Bolsa e fez o dólar subir. Apenas após a intervenção do presidente da Câmara, Arthur Lira, que desautorizou a manobra, o mercado se acalmou. Mesmo assim, ficou a certeza de que o presidente e Guedes já não falam a mesma língua.A PEC permitirá ao governo pagar o auxílio emergencial de R$ 250 durante os próximos quatro meses, sem que os parlamentares ligados ao Centrão, que dominam o Congresso, se preocupassem com os custos adicionais da medida e que certamente contribuirão para desordenar ainda mais as contas públicas. Guedes contava com a PEC para adotar uma medida que defende desde o início da gestão: acabar, de vez, com o gasto mínimo para a Saúde e a Educação. Felizmente, essa ideia foi rejeitada, especialmente pela repercussão na sociedade. Desejava também adotar restrições a aumentos salariais e repasses ao BNDES, entre outras coisas. Alegava que se o Congresso aprovasse a nova rodada de auxílio emergencial — que não poderá ultrapassar o custo de R$ 44 bilhões aos cofres da União —, sem as contrapartidas de redução dos gastos públicos, os parlamentares iriam contribuir certamente para furar o teto de gastos e mandar a economia para o espaço. Elas foram parcialmente adotadas, mas só terão efeito entre 2024 e 2025.

Ueslei Marcelino

A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia chegou a afirmar, antes da votação da PEC, que liberar o auxílio emergencial sem as medidas de compensação sugeridas por Guedes teria potencial para a destruição das contas públicas, afetando a inflação e elevando o desemprego ainda mais. O ministro chegou a dizer aos líderes do Senado que a definição dessa PEC, com os cortes de despesas por ele exigidos, poderia definir sua permanência ou não no governo. O ministro desejava que os senadores cortassem também repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES e até desvinculassem receitas para atividades da administração dos órgãos de fiscalização tributária.

Outro ponto em que Guedes sofreu um revés foi no item da PEC que mudava a possibilidade de a União intervir em um estado para reorganizar as finanças da unidade da federação que apresentasse problemas estruturais em suas contas. O relator Márcio Bittar, relator da PEC, chegou a sugerir a inclusão dessa proposta, mas depois voltou atrás. Os gatilhos aprovados — instrumentos de contenção de despesas da União, dos estados e dos municípios —, prevêem que toda vez que a relação entre os gastos obrigatórios e as despesas totais superem 95% os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deverão vedar aumentos de salário para o funcionalismo. Também fica proibida a realização de concursos públicos, a criação de despesas obrigatórias e o lançamento de linhas de financiamento ou renegociação de dívidas. Agora, a PEC ainda precisa ser aprovada em dois turnos na Câmara.

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R$ 250 de auxílio emergencial de março a junho (Crédito:Eraldo Peres)

Bolsa Família

A proposta defendida na surdina pelo presidente de retirar o Bolsa Família do teto de gastos era a mais escandalosa. “Se o orçamento do programa, de R$ 34 bilhões, ficasse excluído do teto, abriria espaço no orçamento primário para ampliar os gastos do governo além do auxílio. Um absurdo! Deveríamos focar os recursos no auxílio e na vacina”, criticou Rodrigo Maia (DEM), ex-presidente da Câmara. O temor de que o teto de gastos seja furado assustou o mercado financeiro, tanto que o ministro Paulo Guedes chegou a afirmar, em vídeo conferência com executivos do mercado financeiro, que caso não se cumpra as regras fiscais, o País pode perder a credibilidade internacional. “Para virar a Argentina, levaremos seis meses. Para virar a Venezuela, um ano e meio. Se fizermos errado, vai rápido. Agora, quer virar Alemanha, Estados Unidos? Serão necessários dez ou quinze anos na outra direção”, afirmou ele.

A precária situação fiscal brasileira foi ainda mais influenciada pelos números do Produto Interno Bruto (PIB), divulgados na quarta-feira, 3. Segundo o IBGE, a retração em 2020 chegou a 4,1%. Esse é o maior recuo na série histórica e o Brasil deixou o grupo dos dez países mais ricos (era a oitava economia em 2019 e caiu para a 12ª em 2020). Se depender das ações fura teto de parte do Congresso, inclusive de aliados governistas, a economia ainda terá maiores turbulências.