“Hoje, amanhã e ontem também/As flores estão morrendo/Como acontece com todas as coisas”. A frase trágica e bela marca a abertura de “Rough and Rowdy Ways”, novo álbum de Bob Dylan e o primeiro de canções inéditas desde “Tempest”, de 2012.

É também sua primeira coleção de versos após ter recebido o prêmio Nobel de Literatura, em 2016. Versos ou letras? Desde seu primeiro álbum, em 1962, Dylan sempre foi muito mais poeta do que músico. A música é, na verdade, um veículo para disseminar suas ideias e mensagens poderosas.

“Eu sou um homem de contradições / Eu sou um homem de muitos humores / Eu contenho multidões”, canta um dos “vários Dylans”, citando o escritor americano Walt Whitman. Aos 79 anos, o artista faz uma profunda reflexão sobre a vida e a morte. Entre os músicos, é o maior de todos os poetas. Emocionalmente, porém, parece preso a uma época específica do passado.

A maior prova disso é “Murder Most Foul”, épico de 17 minutos em que narra o dia em que o presidente John F. Kennedy foi assassinado.

Por que voltar hoje a 22 de novembro de 1963? Dylan está longe de ser um alienado, como prova entrevista recente ao “The New York Times” em que comenta notícias atuais, inclusive o assassinato de George Floyd. Mas seu coração parece dividido entre dois tempos: o existencial, onde a realidade o prepara para a proximidade da morte; e o artístico, em que ainda curte a nostalgia dos anos 1960. É surpreendente, mas essa é primeira vez em que Dylan chega ao topo das paradas nos EUA. Até porque, musicalmente, “Rough and Rowdy Ways” não traz novidades: muitas baladas, alguns blues e rocks.

Em “Mother of Muses”, Dylan canta “eu já vivi muito além da minha vida”. De jeito nenhum: mesmo com suas cordas vocais cada vez mais roucas, Dylan ainda é a voz mais importante do rock.