Membro do partido nazista e alto funcionário na administração do cinema do Reich, criado por Joseph Goebbels: a Berlinale revelou nesta quarta-feira (30) novos e contundentes elementos do passado de seu fundador, Alfred Bauer.

As primeiras revelações do semanário “Die Zeit” já haviam levado o prestigioso festival de Berlim a renomear um de seus prêmios e a encomendar um estudo ao Instituto de História Contemporânea de Munique (IfZ).

Um de seus historiadores, Tobias Hof, percorreu os arquivos federais, os da Cinemateca Alemã e documentos em Washington.

Sua pesquisa mostra que Alfred Bauer, fundador e diretor da Berlinale de 1951 a 1976, foi um funcionário de alto escalão da administração do cinema do Reich.

Esta administração foi criada em 1942 pelo ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, a fim de controlar rigidamente a produção cinematográfica alemã.

Por meio de suas funções supervisionadas por uma SS, Bauer “contribuiu para o funcionamento, estabilidade e legitimação” do regime nazista, lamentou em comunicado a direção do festival, que tornou públicas essas revelações.

Outra descoberta: Bauer havia se juntado ao partido nazista (NSDAP) em 1937 e era próximo da milícia paramilitar S.A.

O fundador da Berlinale também teria desempenhado um papel fundamental no monitoramento de atores, produtores e outros membros da indústria cinematográfica, segundo o Instituto de História.

Após a rendição alemã, Bauer conseguiu encobrir esse passado, chegando a se apresentar como opositor do regime nazista durante os interrogatórios realizados pelos Aliados.

A codiretora da Berlinale, a holandesa Mariette Rissenbeek, descreveu como “alarmantes” os últimos elementos desenterrados e os esforços feitos por Bauer após a Segunda Guerra Mundial para acobertar seu papel no Terceiro Reich, apesar da campanha de “desnazificação” realizada pelos Aliados.

Ele alegou, na época, ter sido “obrigado” a ingressar nas estruturas nazistas na década de 1930 para continuar seus estudos. De acordo com “Die Zeit”, porém, apenas “treinamento político” e “certos serviços” eram obrigatórios.

Bauer, que morreu em 1986 aos 74 anos, também falsificou questionários e afirmou ter perdido seus documentos durante um bombardeio.

Essas informações “constituem um elemento importante no processo de compreensão do passado nazista das instituições culturais fundadas após 1945”, acrescentou.

Rissenbeek pediu mais investigações sobre as raízes da indústria cinematográfica alemã e suas ligações com o regime nazista.

“Alfred Bauer é uma daquelas pessoas que soube se reinventar depois da guerra”, observou “Die Zeit” em janeiro, convencido de que “qualquer pessoa que não fosse SS em um campo de concentração, ou não fosse particularmente importante, poderia ter esperança de desaparecer à sombra de grandes crimes”.

Bauer “foi um dos milhões de alemães que acharam uma ditadura fascista tão conveniente quanto uma democracia”, havia atacado o semanário na origem das revelações.

A Alemanha, apesar de alguns julgamentos emblemáticos, realizou de maneira imperfeita a “desnazificação”, permitindo que muitas engrenagens do regime de Adolf Hitler passassem e continuassem sua carreira, em particular na administração pública.

O Prêmio Alfred-Bauer, atribuído pelo júri da Berlinale, uma das principais premiações cinematográficos da Europa com Cannes e Veneza, era concedido em reconhecimento a filmes que abrissem novas perspectivas na arte cinematográfica.