Em meados de 2016, Marta Monteiro, 67 anos, procurava um apartamento para morar em São Paulo. Os preços exorbitantes a impediam de achar o lugar perfeito, e a idade a impossibilitava de conseguir uma vaga em repúblicas estudantis. Mas durante um curso sobre novos tipos de moradia ela conheceu Veronique Forat, 64 anos. Juntas, as duas, que já trabalhavam em ambientes de coworking, onde diferentes empresas dividem o mesmo espaço, começaram a rabiscar um projeto de trabalho em que pessoas de diferentes idades, mas com características e gostos parecidos, pudessem compartilhar o mesmo ambiente para morar por uma faixa de preço menor em relação ao aluguel de apartamentos com um quarto. E assim nasceu a Coliiv, que hoje é uma das maiores empresas de coliving, ou moradia por compartilhamento, do Brasil. “Nós temos convicção de que morar de forma compartilhada resolve muitos problemas. Além de ser mais barato, os moradores não sofrem com a solidão, um dos principais motivos de aumento na procura desse tipo de solução na pandemia”, revela Veronique.

MULHERES 22 garotas convivem em casa de 400 metros quadrados: regras rígidas de limpeza e respeito ao espaço na geladeira (Crédito:Keiny Andrade)

Apesar de no Brasil a prática ser uma novidade, em lugares como Londres, Nova York e Austrália, que são destinos de muitos estudantes e jovens trabalhadores do mundo inteiro, este tipo de moradia já é consolidado. Por aqui, ainda existe preconceito com o compartilhamento. Prédios nobres na região do Jardins, por exemplo, não aceitam que os grandes apartamentos com valor de venda de 2 a 5 milhões de reais sejam alugados por jovens vindos de outras cidades “e que, ainda por cima, pegam metrô”. “O síndico não sabe que moramos em quatro pessoas no apartamento. Não consigo pegar o elevador sem ser recebido com olhares de reprovação”, revela um morador de coliving na região da Paulista que preferiu não se identificar. Há ainda o receio de morar com pessoas desconhecidas. A segurança e a confiança ainda são os fatores que mais importam na escolha de um apartamento. Sem contar os problemas de convivência. “Temos uma lista de regras na casa. Usou, limpou e guardou. No banheiro, precisamos tirar o cabelo do ralo e das paredes, cada um tem seu espaço na geladeira e em hipótese alguma podemos pegar o que não é nosso”, afirma Celina Amaral, 30 anos. Fã de Harry Potter, Celina mora há cinco anos em um coliving na Oscar Freire, um dos metros quadrados mais caros de São Paulo. O aluguel de um apartamento de um quarto na região custa em torno de R$ 6 mil. Ela divide uma casa de 400 metros quadrados com outras 22 meninas e conta com seu espaço privativo, onde tem a liberdade de fazer o que quiser. Ela paga R$ 1 mil com todas as contas incluídas. E não pretende se mudar para um espaço maior para morar sozinha. “Nos ajudamos e enfrentamos os problemas uma das outras. É bonito o que criamos aqui”, diz.

HOMENS Paga-se 900 reais por mês com todas as contas da casa incluídas para morar na região da Oscar Freire: metrô ao lado (Crédito:Keiny Andrade)

Os perfis dos moradores de residências compartilhadas também estão mudando. Antigamente, jovens de 18 a 25 anos, recém-formados no Ensino Médio ou aprovados em universidades públicas e particulares, procuravam repúblicas perto dos centros universitários para morar por um período curto de tempo. Hoje, os espaços voltados para coliving recebem principalmente pessoas acima dos 30 anos, jovens que estão no mercado de trabalho e priorizam a carreira e um local ao lado do metrô, ao invés de privilegiar a construção de uma família. Há casos de pessoas acima dessa faixa que já têm uma família formada e necessitam de mais espaço e liberdade. É o caso de José Carlos Machado, 54 anos. Baiano, Zé tem três filhos e estava em um relacionamento enrolado. “Não sei mais se eu tenho esposa”, revela aos risos. Ele decidiu que era o momento de se dedicar à carreira de empresário e se mudou há um mês para São Paulo deixando toda a sua vida e família para trás. “Vim por tempo indeterminado. Posso ficar seis meses como posso ficar dois anos. Não me arrependo, precisava ficar sozinho para focar no meu trabalho e nas minhas ideias”, explica. Ele encontrou um coliving só de homens pela internet e disse estar adorando conviver com pessoas de diferentes idades, pensamentos e hábitos. Ele paga R$ 900 por um quarto.

Com a crise econômica, houve também uma maior oferta de aluguéis de moradia para divisão de despesas com outras pessoas. A artista plástica Suzana Barros, de 48 anos, viu seu rendimento diminunir na pandemia com a falta de venda de quadros. Moradora de um apartamento de sete quartos na região do ABC paulista, ela se juntou com um amigo e decidiu alugar todos os quartos para pessoas de diferentes idades. Hoje, ela vive com seis pessoas entre 18 e 45 anos, cujo aluguel gira em torno de R$ 850, e aluga outros dois apartamentos para coliving por R$ 1,2 mil por pessoa. “A minha casa, que agora virou nossa, está sempre cheia e com muita alegria”, afirma. Parece que o coliving veio mesmo para ficar.