O terreno fica no número 2.317 da Estrada das Lágrimas. Está tomado pela grama e pelo mato. Uma pequena mureta, algumas vigas, uma alta parede não terminada: o cenário pode parecer o de ruínas. Mas se trata, na verdade, do contrário: ali começará a ser construída uma nova sala de concertos para a cidade, localizada em meio à favela de Heliópolis.

O espaço é parte do complexo ocupado pelo Instituto Baccarelli, iniciativa de formação musical e inclusão social criada no final dos anos 1990 e que atende cerca de 1.200 crianças e jovens. O projeto já ocupou uma pequena garagem, uma antiga fábrica de sucos e, em 2008, construiu a sua sede, com dois prédios pelos quais estão espalhados salas de aulas, biblioteca e espaços para ensaios de orquestra.

“Lá atrás já existia essa terceira parte do complexo, uma sala de concertos, mas por questões financeiras ela acabou não sendo construída”, conta o arquiteto Frank Siciliano. Quinze anos depois, porém, ela começa a sair do papel. O lançamento oficial do projeto, já aprovado na Lei Rouanet, será na próxima semana, em um evento na B3 do qual vão participar autoridades municipais, estaduais e federais e empresários. Uma parte do orçamento de R$ 37,4 milhões já foi captada e uma nova campanha de arrecadação será realizada. O início das obras está previsto para julho, com duração de um ano.

“Nossa crença fundadora é a de que a arte tem um profundo poder de transformação, de sensibilização. Heliópolis tem 200 mil habitantes e nenhum teatro. Então, desde o início, pensávamos em uma sala como um espaço de qualidade que pudesse não apenas abrigar os grupos do Baccarelli como ser uma opção de entretenimento para os moradores, além de receber manifestações culturais da região”, explica Edilson Ventureli, diretor executivo do instituto.

BALCÃO DOS ALUNOS

O Estadão teve acesso ao projeto, que integra o teatro aos outros dois prédios já construídos. Sobre ele, será criada uma área de convivência ligada à biblioteca do instituto. Lá dentro, serão 530 lugares. Atrás do palco, uma plateia elevada está sendo chamada de “balcão do aluno”: ali, os estudantes terão a chance de acompanhar ensaios e concertos de outro ângulo, como se estivessem no palco, observando de frente o maestro e de perto os músicos.

Um fosso de orquestra vai possibilitar a realização de espetáculos cênicos, como óperas ou apresentações dos corais do Baccarelli. O projeto acústico teve consultoria do escritório de José Augusto Nepomuceno, o mesmo que trabalhou na construção da Sala São Paulo e da Sala Minas Gerais.

“Sobre a plateia haverá um grande forro de madeira. Já em cima do palco, estarão placas móveis que poderão ser posicionadas de acordo com as necessidades acústicas das obras musicais apresentadas nos concertos”, explica Siciliano, também conselheiro do Baccarelli.

“A Orquestra Sinfônica Heliópolis já tocou nos principais palcos da cidade, viajou pelo Brasil, pela Europa, mas nunca tocou em Heliópolis e isso era algo que nos incomodava. É importante para os moradores seguir a orquestra pela cidade, o que já acontece, mas o contrário também é verdade, a comunidade pode ter uma sala própria, de última geração. E, como em tudo o que fazemos no instituto, há aqui também um claro sentido social. A sala, além de espaço de entretenimento, quer criar empregos e oferecer cursos de capacitação de profissionais de palco”, explica Ventureli.

O objetivo é estabelecer parcerias e convidar também outros grupos do Brasil e de fora para se apresentar na sala. “Com o advento, nas últimas duas décadas, de projetos sociais ligados à música, já ouvi mais de uma vez que a música clássica estava virando coisa de favela. No começo, isso me incomodou muito. Mas, hoje, penso diferente. Sim, a música clássica está virando coisa de favela. Que bom!”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.