O Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) aprovou a Resolução nº 183/2025, publicada em 13 de outubro, alterando pontos centrais da Resolução CGSN nº 140/2018 norma que regula o regime simplificado de tributação das micro e pequenas empresas.
A medida, que já entrou em vigor, representa um novo marco de governança fiscal e integração federativa, com efeitos econômicos relevantes sobre mais de 12 milhões de empreendimentos brasileiros.
Embora o texto busque simplificar procedimentos, na prática ele moderniza o Simples por dentro e o endurece por fora: aumenta a automação, o cruzamento de dados e a responsabilização dos optantes, aproximando o regime de uma lógica de compliance fiscal digital
1. Integração entre os fiscos e o novo paradigma de governança
Pela primeira vez, a resolução introduz princípios orientadores formais do Simples Nacional cooperação, transparência, justiça tributária e integração administrativa.
Isso significa que União, Estados, DF e Municípios passam a atuar em regime de coordenação obrigatória, com compartilhamento de informações, padronização de procedimentos e interoperabilidade de sistemas.
O resultado esperado é uma fiscalização mais eficiente e menos contraditória, reduzindo o risco de autuações múltiplas sobre o mesmo fato gerador.
Contudo, o efeito colateral é o aumento da vigilância sobre o contribuinte, que passa a ter suas informações cruzadas em tempo real entre todas as esferas fiscais.
2. Receita bruta ampliada: o fim da fragmentação do faturamento
Uma das alterações mais relevantes é a ampliação do conceito de receita bruta, que passa a abranger toda a renda da atividade principal da empresa, inclusive quando distribuída em múltiplos CNPJs ou registros de contribuinte individual.
A medida visa coibir práticas de pulverização artificial de faturamento expediente usado para manter filiais sob o teto do regime e promete reduzir disputas sobre a natureza das receitas.
Mas seu impacto econômico pode ser severo: muitos empreendedores terão de recalcular seu enquadramento, correndo Ο risco de desenquadramento por ultrapassar o limite de receita bruta consolidada.
3. Declarações com efeito de confissão de dívida
A ampliação do artigo 40-A da Resolução 140/2018 torna as declarações PGDAS-D, DEFIS e DASN-Simei de natureza declaratória, com efeito de confissão de dívida.
Em termos práticos, o contribuinte que declarar incorretamente confessará o débito, ainda que sem dolo, o que dispensa lançamento de ofício.
Trata-se de uma mudança silenciosa, porém profunda: o Simples Nacional deixa de ser apenas um regime simplificado e passa a operar sob um modelo de autorregularização coercitiva.
A economia processual para o Estado é evidente, mas o risco jurídico para o contribuinte aumenta.
O erro contábil passa a equivaler a uma confissão formal.
4. Adesão imediata e estímulo à formalização
A resolução também moderniza a entrada no Simples Nacional. Novas empresas poderão optar pelo regime no próprio ato de inscrição do CNPJ via Portal Redesim, com efeito imediato.
A medida reduz barreiras de entrada e estimula a formalização especialmente de microempreendedores e prestadores de serviços que atuavam na informalidade.
Contudo, a adesão automática exige maior maturidade tributária: o prazo de 30 dias para regularização de pendências é curto e pode surpreender quem não possui estrutura contábil.
5. Fiscalização municipal reforçada e digitalização obrigatória
Os Municípios ganham nova autonomia para exigir escrituração fiscal digital das empresas optantes, desde que disponibilizem software gratuito integrado ao portal do Simples Nacional.
Essa descentralização tem duplo efeito: aproxima o fisco local do contribuinte e aumenta a capacidade arrecadatória municipal.
Porém, amplia o mosaico de obrigações acessórias um paradoxo do Simples Nacional, que tende a se tornar menos simples e mais fiscalmente intrusivo.
6. Multas mais rigorosas e efeito pedagógico
As penalidades por atraso ou erro foram reformuladas com caráter dissuasório e educativo, entrando em vigor em 2026:
- PGDAS-D: multa de 2% ao mês, limitada a 20%, por atraso ou omissão de informações.
- DEFIS: multa de 2% ao mês, também limitada a 20%, além de R$ 100 por grupo de 10 informações incorretas.
As reduções para entrega espontânea foram mantidas, mas o risco financeiro de descuido contábil aumentou.
Dado que as declarações têm valor de confissão, a multa adquire natureza quase punitiva, exigindo das empresas governança fiscal em tempo real.
7. Atualização das vedações e internacionalização restrit
Empresas com sócio residente no exterior, ou que mantenham filiais ou representações fora do país, passam a ser expressamente impedidas de aderir ao Simples.
O objetivo é preservar a natureza doméstica e desburocratizada do regime, evitando sua utilização em estruturas societárias complexas ou internacionais.
8. Impactos econômicos e o novo perfil do pequeno empresário
O conjunto das mudanças revela uma evolução institucional do Simples Nacional: de um regime de simplificação para um sistema digital de controle e conformidade tributária.
Os efeitos econômicos se dividem em dois planos:
- Microeconômico: maior segurança jurídica e previsibilidade para quem cumpre as regras;
- aumento de custo de conformidade para quem não dispõe de estrutura contábil; possível redução de informalidade via adesão imediata.
- Macroeconômico: incremento potencial na arrecadação espontânea, redução de litígios e maior integração federativa.
Mas há um ponto de alerta: a complexidade fiscal migra da norma para o sistema.
A simplificação tributária, neste novo contexto, depende menos de leis curtas e mais de integração tecnológica e capacitação dos contribuintes.
Em suma, o Simples Nacional deixa de ser apenas um regime facilitador e se consolida como um instrumento de governança digital do Estado, com ganhos de eficiência, mas também com novos custos de conformidade para quem empreende.
Caio Bartine é pós-doutorando em Direito pela Università degli Studi di Messina (ITA) e pela Universidade de Bolonha (ITA) doutor em Direito pela PUC/RJ e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Buenos Aires (UBA/AR). MBA em Direito Empresarial pela FGV e especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pelo IBET. Bacharel em Economia. Advogado e Consultor Jurídico.