A um amigo que lhe perguntou sobre o trabalho em Turandot, Puccini respondeu com um exagero revelador daquilo que pensava de sua nova obra: “Toda a música que escrevi antes agora me parece uma brincadeira e já não me agrada mais”.

Para o diretor André Heller-Lopes, a obra merece mesmo lugar especial na trajetória do compositor, pela música e também pelo texto. Foi da leitura atenta do libreto, ele conta, e da maneira como a música com ele dialoga, que ele criou a concepção da montagem que estreia na sexta, 16, no Teatro Municipal de São Paulo.

“O espetáculo baseia-se sobre três alicerces: mundo da fantasia, do passado e da fábula; mundo contemporâneo (ou futuro), da realidade; e o lugar comum onde esses mundos se encontram e acontece o amadurecimento do qual falei”, explica o diretor.

Segundo ele, um desses mundos terá uma representação da Ópera de Pequim, “com toda a liberdade de um italiano do começo do século 20”, com cores da commedia dell’arte. O coro será dividido em dois: uma parte será responsável pela encenação da fábula de Turandot e a outra será o povo de Pequim, assistindo à apresentação. E há ainda o mundo de Turandot, de transformação dessas personagens presas ao passado em direção ao futuro, à resolução dessas questões profundas.

Para a soprano Elisabeth Blancke-Biggs, uma das intérpretes de Turandot nesta produção, as transformações pelas quais passa a personagem são um elemento fundamental para sua compreensão. “Ela não quer se casar com um príncipe tolo e se tornar subserviente a ele. Em certo sentido, ela é como Elizabeth I! Para que ter um príncipe e abrir mão de seu poder?”, diz a cantora. “Ela se surpreende quando conhece Calaf, um vez que ele é um homem apaixonado, inteligente. Ela o teme e, ao mesmo tempo, está loucamente atraída por ele.”

Para Blancke-Biggs, esse duelo interior está bem representado na música de Puccini. “Seu canto se torna cada vez mais histérico à medida que ele começa a resolver os enigmas. A música, então, muda drasticamente quando ela começa a implorar ao pai, o imperador, para impedir que ela seja entregue àquele homem, mesmo que ele tenha vencido o desafio. A música aqui é triste e emotiva, nos oferecendo uma pista de que ela não é de fato apenas gelo, mas de que há um fogo dentro dela. O dueto final, por sua vez, quando ela é confrontada com o amor verdadeiro, é um dueto de imensa beleza. A música se torna cada vez mais romântica à medida que o dueto se desenrola. E a plateia não sabe, por um instante, se ela vai ceder ou não.”

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A produção do Municipal vai utilizar o segundo final escrito por Franco Alfano, uma vez que o primeiro foi considerado inadequado pelo maestro Arturo Toscanini (o compositor trabalhou a partir de anotações deixadas por Puccini, mas, para muitos especialistas, ele não teria dado conta da complexidade imaginada pelo autor da ópera). Mais recentemente, um outro final foi escrito por Luciano Berio, com a música deixando em aberto os sentidos possíveis das palavras finais do dueto.

“Eu e Minczuk ponderamos muito que final fazer. Berio não é o meu gosto pessoal, mas seria um desafio interessante fazê-lo. Mudaria significativamente o sentido da ópera. Outras reconstruções menos conhecidas, seria pouco prático fazer. Então, a escolha óbvia e de coração seriam um dos finais Alfano. Flertamos com a ideia de fazer o Alfano 1, sem os cortes do Toscanini, por uma questão de originalidade, mas significaria encarar um dueto bem mais longo (e cansativo para os cantores). Pior, por ser ainda mais Alfano que Puccini, acentua essa discrepância entre linguagens musicais e dramáticas. No final, a decisão do maestro foi a mais acertada, de fazermos o final Alfano ‘de tradição’. Para mim, foi o último mistério a decifrar – o meu enigma final, para não perder a cabeça!”, conclui Heller.

TURANDOT

Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s /nº, tel. 3397-0327. 6ª, sáb., 2ª, 4ª (21) e 5ª (22), 20h; dia 25, 18h. R$ 40 a R$ 150. Estreia sexta, 16. Até 25/11

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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