Nova corrida armamentista eleva risco de guerra nuclear

Avaliação é do instituto sueco Sipri, que vê reversão na tendência de queda no número de armas nucleares, com países modernizando ou ampliando seus arsenais. Uso de IA torna cenário mais perigoso que o da Guerra Fria.Quase todos os nove países que possuem armas nucleares (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel) continuaram seus programas de modernização nuclear em 2024, seja atualizando as armas existentes, seja adicionando novas versões, afirmou nesta segunda-feira (16/06) o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), em sua avaliação anual sobre armamento e segurança internacional.

Em meados da década de 1980 havia cerca de 64 mil ogivas, bombas e projéteis nucleares em todo o mundo. Hoje esse número é estimado em 12.241. Essa tendência de queda parece estar prestes a ser revertida, de acordo com o instituto, e esse é "o aspecto mais preocupante que vemos nos arsenais nucleares no momento", disse o diretor do Sipri, Dan Smith, à DW.

"A era de redução do número de armas nucleares no mundo, que perdurou desde o fim da Guerra Fria, está chegando ao fim. Em vez disso, observamos uma tendência clara de crescimento dos arsenais nucleares, o aumento da retórica nuclear e o abandono dos acordos de controle de armas", afirmou o analista Hans Kristensen, do Sipri, no relatório.

Processo intenso de modernização

Desde o colapso da União Soviética, em 1991, e o consequente fim da Guerra Fria, o desmantelamento de ogivas aposentadas vem ultrapassando a inclusão de novas nos estoques nucleares.

Embora a modernização de arsenais nucleares seja uma prática comum entre as potências nucleares, Smith afirma que houve uma intensificação desse processo a partir do fim do segundo mandato do ex-presidente Barack Obama, com mais investimentos em novas gerações de mísseis e porta-aviões.

Segundo Smith, trata-se de um processo intenso de modernização, incluindo "algumas mudanças realmente drásticas", e não de alguns pequenos ajustes.

Pesquisadores do Sipri concluíram que, do estoque estimado de 12.241 ogivas nucleares em todo o mundo em janeiro de 2025, 9.614 estavam disponíveis para uso potencial, seja colocadas em mísseis ou localizadas em bases com forças operacionais, seja estocadas em centros de armazenagem.

Desse número, 3.912 estavam implantadas em mísseis e aeronaves e, destas, cerca de 2,1 mil eram mantidas em mísseis balísticos em estado de alerta máximo – quase todas pertenciam à Rússia ou aos EUA, mas é possível que também a China mantivesse algumas ogivas em mísseis, de acordo com a avaliação do instituto.

Entre os nove países com armas nucleares, os Estados Unidos e a Rússia continuam possuindo os maiores arsenais, com cerca de 90% de todas as armas nucleares existentes no mundo.

Analistas do Sipri alertam que mais países estão hoje considerando desenvolver armas nucleares ou mantê-las em seus territórios e que os debates internos sobre o status e a estratégia nuclear foram revitalizados.

A Rússia, por exemplo, afirma ter estacionado armas nucleares no território de Belarus, e vários países europeus que são membros da Otan sinalizaram disposição para hospedar armas nucleares dos EUA.

Deterioração da segurança internacional

Em 2007, o presidente russo Vladimir Putin proferiu um discurso na Conferência de Segurança de Munique no qual criticou a ordem mundial dominada pelos EUA, a expansão da Otan para o leste e o desarmamento.

Dois anos depois, Obama anunciou, em Praga, a meta de desarmamento nuclear total. "A existência de milhares de armas nucleares é o legado mais perigoso da Guerra Fria", disse.

Ele afirmou que os EUA tomariam medidas concretas em direção a um mundo sem armas nucleares e negociariam um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Novo Start) com a Rússia. Esse tratado foi assinado e entrou em vigor em 2011.

Mas, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, o governo do presidente Joe Biden publicou uma Revisão da Postura Nuclear que colocou a modernização do arsenal nuclear dos EUA como prioridade máxima. E, em fevereiro de 2023, Putin assinou um projeto de lei suspendendo a participação da Rússia no Novo Start.

"A maré de insegurança foi crescendo lentamente, desde 2007, 2008, passando por 2014, até o momento em que as ondas começaram a quebrar, em fevereiro de 2022", disse Smith. "Acho que foi então que muitas pessoas acordaram para essa deterioração, que naquele momento já existia havia mais de uma década."

A mensagem central é: os arsenais nucleares do mundo estão sendo ampliados e modernizados. O Sipri estima que a China tenha pelo menos 600 ogivas nucleares e que seu arsenal nuclear esteja crescendo mais rapidamente do que o de qualquer outro país.

A avaliação do instituto é de que também a Índia tenha ampliado ligeiramente seu arsenal nuclear em 2024, enquanto o seu país vizinho e arquirrival, Paquistão, continuou a desenvolver novos sistemas de lançamento e a acumular material físsil, um componente-chave das armas nucleares.

Israel, que na sexta-feira passada lançou ataques a instalações nucleares iranianas, matando líderes militares e cientistas, mantém uma deliberada ambiguidade sobre suas próprias capacidades nucleares. Acredita-se que o país esteja em processo de modernização de seu próprio arsenal nuclear, bem como de um reator de produção de plutônio no deserto de Negev.

IA eleva ameaça

Em sua introdução ao relatório de 2025, Smith alertou para a perspectiva de uma nova corrida armamentista nuclear que, devido à ascensão da inteligência artificial (IA) e de novas tecnologias nas áreas de capacidades cibernéticas e viagens espaciais, carrega muito mais risco e incerteza do que a ocorrida na Guerra Fria.

"A próxima corrida armamentista nuclear envolverá tanto IA, ciberespaço e espaço sideral quanto mísseis em bunkers ou submarinos ou bombas em aeronaves. Envolverá tanto o software quanto o hardware", afirmou Smith. Isso torna a questão de como controlar e monitorar armas e estoques nucleares mais complicada do que apenas comparar totais de ogivas.

Há amplos debates sobre IA em relação aos chamados "robôs assassinos" (Sistemas de Armas Autônomas Letais) e ao uso de drones automatizados e semiautomatizados desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas não tanto em relação a armas nucleares.

A inteligência artificial permite que uma grande quantidade de informações seja processada com extrema rapidez e, em tese, isso deveria ajudar tomadores de decisão a reagir mais rapidamente. No entanto, se algo der errado no software ou num sistema totalmente dependente de LLMs (modelos de linguagem de grande escala), aprendizado de máquina e IA, mesmo uma pequena falha técnica tem potencial para gerar um ataque nuclear.

"Acredito que deve haver uma linha vermelha com a qual provavelmente todos os líderes políticos e militares também concordarão: a decisão sobre um ataque nuclear não pode ser tomada por inteligência artificial", disse Smith.

Ele menciona o exemplo do tenente-coronel soviético Stanislav Petrov, que, em 1983, estava de serviço no centro de comando do sistema de alerta nuclear soviético, a 100 quilômetros ao sul de Moscou, quando o sistema comunicou o lançamento de um míssil balístico intercontinental dos EUA, seguido de mais quatro.

Petrov, felizmente, suspeitou que o alerta fosse falso e decidiu esperar em vez de repassar a informação imediatamente à cadeia de comando. Sua decisão provavelmente evitou um ataque nuclear retaliatório e, na pior das hipóteses, uma guerra nuclear em larga escala.

"Num mundo de inteligência artificial, quem vai desempenhar o papel do tenente-coronel Petrov?", perguntou Smith.