Uma das pretensões de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avançou algumas casas. Foi publicado decreto, durante reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que cria a “nova cesta básica brasileira”. A medida traz dois direcionamentos e aponta um vilão: garantir aos brasileiros o direito à alimentação saudável e orientar as políticas do governo federal ligadas à nutrição — enquanto afasta dos pratos os ultraprocessados.

A medida faz parte do pacote de ações voltadas ao combate à fome e especifica que a cesta deve ser composta apenas por alimentos in natura ou minimamente processados, além de ingredientes culinários. Os ultraprocessados, aqueles com cinco ingredientes ou mais no rótulo, entre conservantes e aromatizantes artificiais, ficam de fora.

A cesta básica brasileira foi definida há quase um século pelo governo de Getúlio Vargas, em 1938, e vigora desde então. O objetivo foi definir um conjunto de alimentos que atenderia o sustento de um trabalhador adulto.

Em 2013, a presidente Dilma Rousseff converteu em lei uma medida provisória que zerava impostos federais sobre os alimentos que compõem o kit.

A novidade fez com que três impostos (PIS/Pasep, Cofins e IPI) deixassem de incidir sobre alimentos (café, açúcar, óleo de soja e vegetais, manteiga, margarina, carnes e peixes) e alguns produtos de higiene (sabonete, papel higiênico e produtos de higiene bucal).

Feira de produtores locais: valorização da diversidade nacional e preocupação com sustentabilidade (Crédito:Rovena Rosa/Agência Brasil)

Já em 2014, após doze anos de políticas direcionadas, a população brasileira considerada em situação de subalimentação caiu 82%. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, em inglês) anunciou a saída do País do Mapa da Fome.

Em 2022, no entanto, o Brasil retornou ao indesejado atlas em situação grave.

No ano seguinte, a ONU decretou que 21 milhões de pessoas não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões estão em estado de insegurança alimentar.

“Fizemos uma medida estruturante e necessária para o momento em que o País se encontra, rumo à saída do Mapa da Fome, que é promover a alimentação saudável por meio de políticas públicas de diferentes setores. Estamos tratando, também, das questões relacionadas às doenças crônicas não transmissíveis”, diz Lilian Rahal, secretária de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.

“Ao vetar esses alimentos, o governo toma uma medida proativa para promover escolhas mais saudáveis. Isso não só tem o potencial de melhorar a saúde geral da população, mas também pode desempenhar um papel crucial na política de combate à fome”, reforça a nutricionista Giovana Capito.

1000 calorias pode chegar um hambúrguer com incremento de outros ingredientes processados (Crédito:Divulgação )

Os ultraprocessados

• A decisão de veto aos ultraprocessados parte da constatação científica de que o consumo desses produtos aumenta a chance de desenvolvimento de doenças.

• Esse tipo de alimento é pobre em vitaminas e minerais, e rico em carboidratos, gorduras saturadas, açúcar e sódio.

• Para identificá-los facilmente, além de checar se o rótulo lista cinco ingredientes ou mais, basta constatar a presença de elementos que você não encontraria na cozinha da sua casa.

• Seu consumo aumenta a ocorrência de doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e diversos tipos de câncer, além de obesidade.

Arroz com feijão

Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, os critérios adotados foram sustentabilidade, sazonalidade e benefícios à saúde para composição da cesta. “Trazemos o reconhecimento de alimentos produzidos localmente, dos diferentes biomas, culturalmente referenciados. São alimentos da sociobiodiversidade brasileira, produzidos preferencialmente de forma mais sustentável. Reforça a importância do arroz com feijão, reconhece o pãozinho francês, os diferentes tipos de feijão, hortaliças, legumes e castanhas, entre outros. Essas diretrizes estabelecidas têm como objetivo fomentar sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Ultraprocessados estão relacionados a um padrão de consumo que causa adoecimento e não precisam ter o seu consumo incentivado”, diz Rahal. Igualmente seguem o Guia Alimentar para a População Brasileira, que completa dez anos em 2024.

Alerta nos rótulos

O sinal amarelo para os ultraprocessados acendeu quando em outubro de 2023, por determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entrou em vigor a mudança nos rótulos de produtos embalados.

Passaram a estampar em destaque informações sobre composições potencialmente nocivas à saúde, com excesso de três nutrientes: gordura saturada, açúcar e sódio.

A consultoria Bain & Company fez pesquisa e constatou que:
• 56% dos consumidores perceberam a inclusão dos alertas em rotulagens.
• Entre os que notaram, quase metade (46%) desistiu ou pretendia não mais comprar o produto,
• enquanto 34% acabaram comprando com ressalva.
• Apenas 20% daqueles que perceberam o alerta disseram que ele não interferiu em nada na hora da decisão.

Lilian Rahal, Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: objetivo é retirar novamente o Brasil do Mapa da Fome, para o qual retornou em 2022 (Crédito:Antonio Cruz/ Agência Brasil)

O anúncio da nova cesta atende também às diretrizes da reforma tributária, que propõe soluções relacionadas à preservação do meio ambiente, da saúde e da sustentabilidade social.

O pacote essencial de alimentos e produtos de higiene, que mira o mínimo para atendimento a uma família, prevê dentro da reforma financeira a substituição de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por dois impostos sobre valor agregado, um federal e outro dos estados e municípios.

A discussão sobre produtos e benefícios contemplados está prevista para ocorrer ainda neste ano, durante a regulamentação da reforma.

Além disso, os 10 grupos de alimentos passam a orientar a definição da política de subsídios para produção agrícola. São eles:
• feijões (leguminosas);
• cereais;
• raízes e tubérculos;
• legumes e verduras;
• frutas;
• castanhas e nozes;
• carnes e ovos;
• leites e queijos;
• açúcares, sal, óleos e gorduras;
• e café, chá, mate e especiarias.

“Ao priorizar alimentação fresca, minimamente processada e nutritiva, podemos garantir que as pessoas tenham acesso a alimentos que fornecem os nutrientes essenciais de que seus corpos precisam para prosperar. Isso é especialmente importante para famílias de baixa renda e comunidades vulneráveis, que muitas vezes têm acesso limitado devido a restrições financeiras”, afirma Capito. “Além disso, pode servir como um incentivo para o consumo de frutas, legumes e verduras produzidos localmente, apoiando a economia local e promovendo práticas agrícolas sustentáveis.”

(Divulgação)

“O veto aos ultraprocessados é uma medida crucial para o impacto significativo na política de combate à fome e na saúde geral da população.”
Giovana Capito, nutricionista

Com a desoneração da cesta básica, o governo deixará de arrecadar R$ 39 bilhões neste ano, segundo estimativa da Receita Federal. Um dado nada animador, já que o rombo das contas públicas foi de R$ 230 bilhões, em 2023.

A isenção de impostos também pode refletir na alíquota geral sobre outros produtos não contemplados. Por isso é importante saber a extensão da lista dos que integram a cesta — quanto mais itens, maior a probabilidade de subida no valor do que não é incluído.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) entende que a isenção total beneficia quem mais precisa. “A entidade considera o cashback uma medida ineficiente, obrigando todos a pagar impostos mais altos e diminuindo seu poder de compra. Seria mais eficiente ampliar a desoneração da cesta básica estendida”, divulgou a entidade, em nota.

Mas uma opinião contrária veio do Banco Mundial, que aponta que a desoneração beneficia quem tem maior poder de compra, enquanto o cashback direcionado diminuiria a carga tributária sobre os mais pobres.

“A má alimentação, que pode ser manifestada pela fome, mas também pelo excesso de peso, precisa ser combatida. Temos a preocupação de garantir o acesso de todas as pessoas a alimentos saudáveis, o que implica em medidas que estimulem a ampliação do consumo de alimentos in natura e minimamente processados em todas as faixas de renda”, finaliza Rahal.