Nova bandeira bolsonarista, oposição à Ficha Limpa varia conforme cenário político

Antonio Cruz/Agência Brasil
No Congresso, tramitação da Ficha Limpa reuniu políticos de diferentes espectros Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Em campanha declarada para reverter sua inelegibilidade e concorrer à Presidência da República em 2026, Jair Bolsonaro (PL) abriu fogo contra a Lei da Ficha Limpa e foi seguido por aliados.

Agora encampado pela direita, o movimento encontrou adesão no entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018, quando o petista foi impedido de disputar as eleições presidenciais por uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) baseada na mesma legislação.

Neste texto, o site IstoÉ mostra como os grupos políticos alternaram posturas a respeito do texto desde que se uniram para apoiar sua aprovação, em 2010.

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Ventos passados

O projeto que deu origem à Lei da Ficha Limpa reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas em uma petição do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Afiançados pela demanda popular, integrantes de Câmara e Senado foram unânimes na aprovação ao texto, em 2010, seguida pela sanção do presidente Lula.

Nas três eleições que seguiram, mais de 1.600 pessoas tiveram candidaturas barradas pelo critério da legislação, que proíbe a presença de políticos condenados em segunda instância nas urnas e pune os crimes com oito anos de inelegibilidade. A popularidade da Operação Lava Jato, responsável por desvendar um bilionário esquema de corrupção na Petrobras, barrava maiores críticas ao texto, que seguia celebrado da esquerda à direita.

Em 2018, o TSE retirou Lula da campanha presidencial com base na Ficha Limpa. O petista, que liderava as pesquisas de intenção de voto, havia sido condenado na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A estratégia de reação de aliados foi insistir na legitimidade da candidatura e sugerir que uma eleição sem o político seria fraudulenta.

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Abril de 2018: Lula chega à Superintendência da Polícia Federal para cumprir pena

Notório apoiador do texto no magistério, o então governador do Maranhão, Flávio Dino (à época no PCdoB, e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal), disse que “no ambiente de hoje [2018] não apoiaria”. Atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann subiu ao plenário do Senado para afirmar que “até os adversários de Lula confirmam que os recursos em relação à sua condenação tem plausibilidade” e chamou de “processo injusto” a sentença contra ele.

À revelia dessas vozes, a aplicação da Ficha Limpa prevaleceu e Bolsonaro foi eleito presidente contra Fernando Haddad (PT). Lula recuperou seus direitos políticos em março de 2021, quando as sentenças contra ele na Lava Jato foram anuladas pelo ministro Edson Fachin, do STF, abrindo caminho para uma nova vitória nas urnas em 2022.

Único caminho

Em julho de 2022, Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros no Palácio do Planalto para levantar, sem provas, suspeitas sobre o sistema eleitoral brasileiro. O então mandatário usou estrutura, meios de comunicação e autoridade da Presidência na reunião. O TSE entendeu que houve abuso de poder político, sentenciando-o a oito anos de inelegibilidade.

O ex-presidente não perdeu a confiança de que estará nas urnas em 2026 e, sem perspectiva da reversão da pena no Judiciário, vê articulações de aliados por sua reabilitação política caminharem no Legislativo. A mais recente é do deputado Bibo Nunes (PL-RS), que reuniu 73 assinaturas por um projeto que propõe a redução da sentença a dois anos de inelegibilidade em um movimento de enfraquecimento da Ficha Limpa.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após a esposa Michelle Bolsonaro embarcar para a posse de Donald Trump

Com adesão maciça do PL, a proposta recolheu assinaturas também nas bancadas de MDB, PSD, PP e Republicanos, que comandam ministérios de Lula, e depende do aval da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, em seguida, 257 votos no plenário para ser aprovada. Ao site IstoÉ, o autor afirmou que haveria benefícios “para todos os políticos, de todos os partidos”. 

Na sexta-feira, 7, o próprio Bolsonaro foi às redes sociais para expressar seu desejo de “acabar com a Lei da Ficha Limpa”. Na avaliação do ex-presidente, a legislação “hoje em dia serve apenas para uma coisa: para que se persiga os políticos de direita”.

Na esteira do líder, o deputado Mario Frias (PL-SP) classificou a lei como uma “imbecilidade de esquerda”, em que “qualquer burocrata pode impedir um candidato de se submeter ao voto popular”. Influenciadores da direita radical também abriram fogo contra o texto, em contrariedade ao endosso anterior.

Fora do campo bolsonarista, Hugo Motta (Republicanos-PB), novo presidente da Câmara dos Deputados, afirmou que oito anos “é um tempo extenso” para a restrição dos direitos políticos e afirmou que o “Congresso é soberano” para discutir uma mudança. Líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE) admitiu a avaliação em entrevista ao site IstoÉ, mas refutou uma redução tão expressiva da pena.

Há uma ligação incestuosa entre políticos de diferentes partidos para enfraquecer a Lei da Ficha Limpa e instaurar um cenário de impunidade, que beneficiaria a todos eles”, disse ao site IstoÉ Roberto Livianu, procurador de Justiça de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. “A redução da inelegibilidade a dois anos, na prática, extingue a punição”, concluiu.