Um caminho ao centro – A ideologia raramente é um fator preponderante em eleições municipais. Por isso, é complicado extrapolar dos resultados lições que valham também para as disputas de governador e, sobretudo, presidente. No entanto, esta eleição, na qual prevaleceram nas grandes cidades candidatos de partidos mais ao centro, como DEM, PSD, PSDB, PSB e MDB, é uma oportunidade para defender de maneira explícita aquilo que o eleitor já intui: o valor da moderação e do pragmatismo em política, em contraste com a fúria ideológica, que produz muito calor, mas poucas soluções para problemas reais. O tempo está correndo, e o surgimento de candidaturas de centro com um discurso cativante é fundamental para que o Brasil retome a sanidade em 2022.

 

Gestão premiada – Sete capitais reelegeram seus prefeitos no primeiro turno. Todos os candidatos que encerraram a fatura logo de cara são de partidos de centro ou de centro-direita: PSDB, DEM e PSD. Todos têm em comum o fato de terem feito gestões pragmáticas, voltadas para a solução dos problemas locais, e não para o lero-lero ideológico. O fenômeno mais peculiar desse grupo é Kalil (PSD), de Belo Horizonte. Ele se elegeu em 2016 como um personagem da nova direita falastrona, mas na prefeitura buscou mais o diálogo que na polarização. Não brincou com o covid-19. Congelou as tarifas de ônibus em meio à crise econômica. E manteve em ordem as contas públicas. Outro exemplo interessante é o de Salvador. O demista ACM Neto fez com tranquilidade o seu sucessor na prefeitura, Bruno Reis. Eles nunca apostaram no confronto com o governo estadual, do PT. Mantiveram com os adversários um diálogo civilizado, e se voltaram para as questões da cidade. Foram premiados. A mesma lógica vale para Álvaro Dias (PSDB-Natal), Rafael Greca (DEM-Curitiba), Gean Loureiro (DEM-Florianópolis), Cinthia Ribeiro (PSDB-Palmas) e Nelsinho Trad (PSD-Cuiabá).

 

Bolsonaro mais ou menos – Não há como Bolsonaro usar o resultado das eleições para cantar vitória. A população ignorou seu apelo para que candidatos que implementaram medidas de isolamento social durante a pandemia, ou as defenderam, fossem punidos nas urnas. O presidente e um punhado de seguidores radicais continuam isolados na defesa da tese que proteger a vida é “coisa de maricas”. A tentativa de transpor para os pleitos municipais a lógica da esquerda contra direita também não deu certo, por um motivo simples: ignora que o eleitor é muito mais pragmático do que ideológico na escolha dos governantes que vão cuidar do proverbial “buraco na rua”, ou seja, dos seus problemas imediatos. Mas também não houve uma derrota completa. No Rio, o capitão foi astuto. Apoio explicitamente Marcelo Crivella, sem no entanto antagonizar Eduardo Paes, que estava na dianteira em todas as pesquisas de intenção de voto. Os dois vão disputar o segundo turno. Mesmo que Crivella perca, o que parece mais provável, Bolsonaro não deve ter um prefeito hostil na cidade que é sua base política. Em Fortaleza, o Capitão Wagner, também apoiado pelo presidente, conseguiu tirar do PT a vaga na disputa do segundo turno com Sarto (PDT), candidato do prefeito Roberto Claudio. Alguns outros candidatos devem carregar a bandeira do bolsonarismo nas capitais, como Abílio Jr., em Cuiabá, e o Delegado Eguchi, em Belém.

O PT ainda agoniza – Por décadas, o PT sufocou todos os nomes que a ameaçassem sua hegemonia à esquerda. Não mais. A única capital onde uma candidatura petista se mostrou competitiva foi o Recife, onde Marília Arraes vai disputar o segundo turno com João Campos (PSB). Nas demais capitais, o partido servirá no máximo de linha auxiliar para candidatos de outras legendas de esquerda. Em São Paulo, Jilmar Tatto foi triturado nas urnas. Era mesmo um péssimo candidato: além de ter de lidar com o ranço que o PT paulista carrega, tem, ele mesmo, o problema de ser um político à moda antiga, daqueles que controlam com mão de ferro um curral eleitoral. No seu caso, a Tatolândia, na zona sul de São Paulo. Em Porto Alegre, a comunista Manuela D’Ávila carregará o PT sob o seu guarda-chuva no segundo turno. A agonia do PT não tem fim.

 

Esquerda renovada – Bolsonaro gostaria de varrer a esquerda da existência, nem que fosse a bala. Ou talvez preferencialmente a bala… Mas não é assim que a democracia funciona. A existência de uma esquerda e de uma direita não xiitas (e não obcecadas com a ideia de conquistar a hegemonia a todo custo, como era o caso do PT) costuma fazer bem ao debate político de um país. Assim, tem seu valor o surgimento de uma nova esquerda no Brasil, representada por nomes como Guilherme Boulos, Manuela D’Ávila e João Campos.