Com seus oitenta e poucos anos, meu avô caminhava até o supermercado religiosamente todas as quintas-feiras. Voltava equilibrando sacolas, sua distração semanal. Um belo dia, um trombadinha roubou sua carteira. Não sei se era esse o apelido em todo Brasil, mas era assim que chamávamos, em São Paulo, os moleques que roubavam com apenas um empurrão o que incautos cidadãos levavam nos bolsos. Naquela tarde, meu avô chegou em casa radiante.

— Vocês tinham que ver a habilidade! Mal encostou em mim e pronto! Levou minha carteira. — Ele contava a história com a alegria de quem havia achado dinheiro na rua, em vez de perdido.

Semana passada, clonaram meu WhatsApp. Lembrei do meu avô. Que talento maravilhoso (e pouco aproveitado) tem a instituição nacional dos malandros, empreendedores de pequenas contravenções e pilantragens em geral.

Explico o golpe em poucas linhas, para alertar os menos atentos: anunciei um produto num desses sites de vendas on-line. O sujeito pegou meu número de celular no anúncio e ligou dizendo que trabalhava no tal site e que meu anúncio estava fora do ar por um erro qualquer do sistema. Como sei que “erro no sistema” está para a tecnologia como virose está para medicina, acreditei. O safado avisou que mandaria um código de confirmação para colocar o anúncio de volta no ar. Confirmei o tal código que, na verdade, era a senha de recuperação da conta do meu WhatsApp. Pronto.

O maldito capturou meu aplicativo em seu celular. Por sorte, diferente do nosso ministro da Justiça, não tenho nenhuma conversa suspeita, por isso, de antemão aviso que não exigirei que minhas mensagens sejam destruídas caso Glenn Greenwald comece a divulgá-las. Também não tenho o hábito de enviar nudes como fazem algumas estrelas da televisão. Não só ninguém pediu como acredito que o mundo não esteja preparado para contemplar tão terríveis imagens.

O interesse do golpista, muito mais prosaico no caso de mortais como nós, é simplesmente pedir dinheiro para os amigos da nossa lista de contatos. Em pouco mais de três minutos, o sujeito conseguiu falar com diversas pessoas da minha lista, com diálogos diferentes, absolutamente alinhados com a linguagem que eu usaria com cada um desses amigos. Prova de que, exímio na arte do 171, o sujeito também é fluente no que os hackers costumam chamar de “engenharia social”.

Explico: um dos maiores invasores cibernéticos da história, Kevin Mitnick conta em seu livro, “A Arte de Enganar”, que para invadir sistemas o real talento de um hacker não está no domínio de técnicas de programação, como poderíamos supor, mas sim em descobrir como tirar informação conversando pessoalmente com pessoas, em ligações telefônicas e até mexendo no lixo atrás de pistas, técnica cujo eufemismo consagrado é “engenharia social”. Como ficou claro, a habilidade do sujeito que capturou minha conta de “Uats” está muito mais no seu blá-blá-blá do que em alguma falha do aplicativo.

Por tudo isso, quero dar uma sugestão ao nosso ministro da Justiça. Em tempos como esses em que vivemos, precisamos aproveitar todos os talentos disponíveis. Ministro, já que o presidente Bolsonaro gosta tanto dos americanos, sugiro agir como agem por lá. Faça com os seus hackers o mesmo que fizeram com Mitnick e com Frank Abagnale — o golpista charmoso que inspirou o filme “Prenda-me se For Capaz”. Ambos trabalharam para o FBI. Abagnale atuou na agência por mais de 30 anos, Mitnick está nessa há quase 20 anos e também é consultor de segurança de grandes empresas. Ministro, arrume um emprego honesto para essa moçada. Imagine o sucesso que sujeitos assim poderiam fazer a mando da Polícia Federal e do Ministério Público ao fuçar nos celulares de todos os suspeitos da Operação Lava Jato. Vamos lá, ministro! Para crescer, o País precisa dos seus melhores homens — e mulheres. Basta olhar para seus colegas de ministério.

Espero que o ministro Sergio Moro siga o exemplo do FBI, que acolheu alguns dos melhores estelionatários cibernéticos em suas fileiras. Imaginem a Lava Jato com caras assim ao lado da nossa PF