São quatro da tarde e a enfermeira Domenica da Silva caminha pelo grande condomínio de casas em Aventura, cidade tipicamente habitada por brasileiros, no condado de Miami-Dade, na Flórida. Aos oito meses de gestação, ela sente os chutes de Isadora, a filha que será cidadã americana. “Ela vai nascer aqui, mas o lugar dela é lá”, diz, relembrando com lágrimas nos olhos o dia em que fez as malas e deixou o Rio de Janeiro para ser mãe nos Estados Unidos. Domenica está hospedada na casa de amigos e é tratada com carinho, bolo de banana e suco de graviola. Mesmo com tantos cuidados, ainda chora de saudades do marido e da família, que não puderam acompanhá-la em toda a jornada. “A Isadora é muito aguardada. Vai ser uma festa quando chegarmos no Brasil”, diz. Assim como Domenica, inúmeras grávidas brasileiras estão deixando suas casas, médicos de confiança e familiares num dos momentos mais importantes e frágeis de suas vidas: a hora de dar à luz. O motivo é garantir ao filho a cidadania americana e, com ela, a esperança de um futuro melhor. A Constituição americana garante, desde 1868, que todos os nascidos no país são seus cidadãos. Isso significa que eles vão crescer com direito a voto, financiamento estudantil para a faculdade a taxas mais baixas e, quando completarem 21 anos, poderão peticionar o Green Card aos pais e aos irmãos. “Eu não quero morar aqui agora, mas a Isadora vai poder escolher quando crescer, principalmente em relação aos estudos”, diz Domenica, que vai levar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, para a maternidade.

“Os EUA são muito acolhedores para quem age dentro da lei”, diz Alexandre Piquet, advogado especialista em imigração. “É legal ter filho aqui, desde que depois do parto a família volte para o Brasil. Quem quer se mudar de vez deve pleitear outro tipo de visto”, afirma. Ao chegar ao país, a gestante pode precisar comprovar à imigração americana que tem condições de pagar pelos custos médicos de ter um filho nos EUA. “Tivemos um boom de argentinos nos anos 2000, por conta da crise. Agora aumentaram os brasileiros”, diz o pediatra Wladimir Lorentz, que nasceu no Brasil e mora desde a adolescência nos EUA. Com um celular que vibra a cada minuto e cujo toque é o choro de um bebê, sua agenda de consultas é cheia e sua clínica parece ter sido transportada do Brasil para Miami. A principal língua ouvida ali é o português e as mães são atendidas bem à brasileira, com cordialidade e cafezinho. O resultado dessa alta procura vem do programa que ele criou em 2013, o “Ser Mamãe em Miami” (SMM), em parceria com uma clínica de obstetrícia e um hospital locais. A divulgação do programa inclui um site, cafés da manhã e caminhadas com palestras para grávidas. A procura cresceu também depois que a modelo Karina Bacchi participou do programa para ter o filho Enrico, em 2017.

FOTO E ENXOVAL

OPÇÃO Grávida de Isadora, a enfermeira Domenica aguarda o parto em Miami: “Ela poderá escolher onde viver”

Com pacotes que variam de US$ 11,7 mil a US$ 14,3 mil, inclui parto, internação, consultas médicas pré e pós-natal, vacinas, além da orientação de uma especialista em amamentação — uma mulher que vai para Miami consegue contratar esses serviços (com exceção da especialista em lactação), sem a intermediação de um programa, por cerca de US$ 8,1 mil. “Mães com gravidez de risco não devem vir”, diz o obstetra Ernesto Cardenas. Os custos hospitalares em casos de complicação no parto são bastante altos e podem ultrapassar US$ 90 mil.

Uma mãe que opta por ter o filho em Miami precisa ficar pelo menos três meses na cidade, onde gasta com despesas médicas, hospedagem, alimentação, transporte e emissão de documentos. Sem extravagâncias, tudo sai, por casal, entre US$ 21,5 mil e US$ 28,5 mil. Com o dólar turismo beirando os R$ 4,00, equivale a R$ 86 mil a R$ 114 mil. Em 2017, apenas pelo SMM, foram 415 partos de brasileiras, mais de um por dia, o que girou cerca de 8 a 11 milhões de dólares. O número é mais que o dobro que o de 2016, quando 200 deram a luz pelo programa. Para quem quiser mais comodidade, há ainda um enorme leque de serviços disponíveis, em uma verdadeira indústria do parto: corretor de imóveis e de seguros de saúde, advogado, fotógrafo de bebês e até consultoria para a compra do enxoval.

“Eu venderia tudo para dar cidadania americana para a Ayla”, diz o empresário Alexandre Veiga, que se desfez do jet ski para ter a filha nos EUA. Ele, a esposa, Karina, que é fisioterapeuta, e Ayla, com poucos dias de vida, estão em um apartamento em Brickell, no centro financeiro de Miami. Eles são de Vitória (ES) e decidiram ter a filha em Miami quando presenciaram um tiroteio durante a greve da Polícia Militar, em 2017. “Eu choro só de pensar em ir embora”, diz Alexandre. O casal quer se mudar para os EUA e já está pesquisando como tirar os vistos – existem mais de 60 tipos para imigrantes que desejam se fixar. Enquanto não conseguem, Alexandre, que comprou uma bandeira americana, beija a certidão de nascimento de Ayla e comemora o destino da menina: “Minha filha é americana.”