Onde é seu escritório? Em qualquer lugar do planeta. Desde 2017, é assim que o goiano Richard Oliveira, de 33 anos, responde quando indagado sobre seu endereço de trabalho. Ele é um nômade digital, como são chamados os profissionais que atuam remotamente e são contratados por empresas que permitem esse tipo de relação. Ele realizou o sonho de viajar pela América Latina após abandonar um emprego no marketing para se tornar designer gráfico. “Viajei por 14 países e vi que era possível sobreviver”, conta. Aproveitando o tempo livre, estudou edição de vídeo enquanto atravessava o continente. Com isso, ampliou sua fonte de renda. Em seis anos, o hoje documentarista vivenciou de perto a transformação do mercado. “Antes, poucas pousadas tinham estrutura com mesas de trabalho. Eu tinha de me virar nas cafeterias e o clima era hostil. Perguntavam: ‘Você vai ficar o dia todo?’. Já fui expulso de um café no Chile. Agora é diferente, há os coworkings e estabelecimentos com cartazes de ‘venha trabalhar aqui’, entre outros”, descreve.

O Nomad List, site que serve de termômetro para a classe, aponta milhares de pessoas com o mesmo pensamento no Brasil. Hoje há 3.400 cadastrados no Rio de Janeiro e cinco mil em São Paulo.

Essa realidade levou os países a promover medidas para atraí-los, uma vez que a tendência é vista como um movimento sem volta da nova configuração de trabalho.

Países como Canadá, Espanha e Uruguai, por exemplo, criaram vistos especiais apenas para essa categoria, com condições mais flexíveis que facilitam a moradia.

No Brasil, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) regulamentou o visto temporário de um ano para nômades digitais em 2021. De 2022 até agora, o governo liberou mais de 400.

Nômade digital: a tendência de trabalho que vem ganhando o mundo
A jornalista Lanna Sanches: planos de viajar para a Europa e Ásia em 2024 (Crédito:Divulgação)

Oliveira é um dos 35 milhões de profissionais no mundo que se definem como nômades digitais. A estimativa é do Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen, empresa global de migração.

A perspectiva é de que até 2035 esse número salte para 1 bilhão. Nos EUA eles já são 17 milhões, ou 11% da força de trabalho. Os dados são de outro levantamento, o Digital Nomads 2023, da MBO Partners.

Atualmente em solo norte-americano, o mineiro Thiago Finch, 27, evoluiu como empreendedor digital. “Quando comecei a ver o dinheiro cair na conta sem ter de estar no escritório, decidi fazer algo que sempre almejei: conhecer o mundo inteiro”, diz.

A função de CEO de uma plataforma de vendas online, a Ticto, só lucrou com a modalidade. “Um negócio digital, diferentemente de uma operação física, remove várias barreiras, entre elas a limitação geográfica. Como nômade digital, tenho a oportunidade de gerenciar times de vários países.”

“Quando comecei a ver o dinheiro cair na conta sem ter de estar no escritório, decidi fazer algo que sempre almejei: conhecer o mundo inteiro.”
Thiago Finch, CEO da plataforma de vendas online Ticto

A brasileira Milene Dellatore, 37, também trabalha remotamente nos EUA. Antes empresária da área gastronômica, viu no mercado financeiro uma alternativa para o novo estilo de vida. “Meus ganhos são incomparavelmente maiores do que quando tinha restaurante e bar. O online dá a liberdade de gerir meu tempo e conhecer lugares incríveis, enquanto minha renda não deixa de aumentar”, prossegue a CEO do Grupo Mide de Investimentos.

“Os países buscam pessoas competentes, gênios em suas áreas. Isso faz uma nação crescer. Se você estudar para ser uma dessas pessoas, poderá morar onde quiser. E o melhor: se mudar quando quiser, aproveitando o maior benefício do nômade, que é a liberdade.”

Nômade digital: a tendência de trabalho que vem ganhando o mundo
Richard Oliveira: rotina na América Latina abastece canal Vida de Mochila, no YouTube (Crédito:Divulgação)

Para solicitar o visto/autorização de residência para Nômade Digital no Brasil, o imigrante deve comprovar a atividade por meio de:
• uma declaração que ateste a atividade laboral de forma remota,

• contrato de trabalho ou de prestação de serviços,
• ou documentos que comprovem vínculo com empregador estrangeiro.

Também precisa ter comprovante de renda mínima igual ou superior a US$ 1.500 por mês ou fundos bancários de US$ 18 mil, no mínimo.

“Muitos imaginam que os tais nômades digitais são apenas de tecnologia de informação. Mas hoje temos advogados, professores e outros nesta situação. A tendência é que muitos países passem a regulamentar e admitir esses profissionais”, avalia Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional.

“Eles contribuem para a diversificação da economia, trazendo novas fontes de renda e inovação. Além disso, podem atrair talentos internacionais e investimentos estrangeiros, promovendo o desenvolvimento econômico.”

Nômade digital: a tendência de trabalho que vem ganhando o mundo
A investidora Milene Dellatore: “Vendi as empresas e não voltei ao trabalho presencial” (Crédito:Divulgação)

Estar longe de casa pode ser um dos contras, mas as vantagens compensam. Em sua travessia pela América Latina, Oliveira conheceu a jornalista nômade Lanna Sanches, de 29. O namoro já dura quatro anos. “No ano que vem faremos juntos a Rota da Seda: iremos de Portugal até a China”, adianta Oliveira.