Depois de muito tempo, o Rio de Janeiro voltou a ser o centro das atenções no futebol graças ao que tem se feito em campo – e não apenas fora dele, quando clubes cariocas viravam notícia mais por causa de brigas nas arquibancadas ou no entorno dos estádios. É verdade que no início do mês “torcedores” de Flamengo e Botafogo promoveram confusão do lado de fora do Engenhão, mas os tumultos generalizados vêm diminuindo.

Um bom indicativo vem do lado do Flamengo, o time mais badalado do País no momento. Em um intervalo de 22 meses, duas das partidas mais importantes do clube em muitos anos tiveram desfecho bem diferentes – em campo e fora dele. Em dezembro de 2017, na finalíssima da Copa Sul-Americana, o time rubro-negro deixou escapar o título após empatar com o Independiente em um Maracanã que registrou invasão de estádio, roubos e brigas do lado de fora. No mês passado, a equipe carioca atropelou o Grêmio na semifinal da Copa Libertadores em uma partida cuja invasão – no sentido nada futebolístico do termo – foi abortada na véspera, quando a Polícia Civil do Rio prendeu 20 pessoas.

Minutos antes de a bola rolar em outubro, do lado de fora da principal arena carioca até houve lançamentos de bombas de gás e corre-corre. Mas, salvo as exceções de sempre, quase todos os envolvidos eram pessoas sem ingressos e que tentavam adentrar no perímetro restrito a quem tinha acesso ao jogo, estabelecido pelos órgãos de segurança.

O resultado exitoso foi fruto de um trabalho que começou há dois anos e que conta com a participação de 20 órgãos do Rio. O grupo inclui, além daqueles ligados diretamente à segurança, responsáveis pelo transporte público e até mesmo pela limpeza urbana.

“As pessoas não imaginam, mas a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) é importantíssima (no esquema de segurança) porque se ela não retirar rápido uma garrafa de vidro que esteja no entorno do estádio, aquela garrafa pode ser arremessada num policial e com um policial ferido os colegas tendem a reagir. Aí, o tumulto está formado”, disse o procurador Cláudio Varela, coordenador do Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor (Gaedest), do Ministério Público do Rio (MPRJ).

O Gaedest foi criado em outubro de 2017 para centralizar questões envolvendo problemas em jogos de futebol. Varela lembra que a equipe “estava ainda arrumando sua sala” quando, dois meses depois, a final da Sul-Americana ganhou o noticiário do mundo todo não pelo que fora o jogo, mas pelas imagens de crianças chorando, bombas de gás, roubos e muito briga.

Aquela partida ajudou o grupo a ganhar um norte. “A atual filosofia do MPRJ é tentar fazer a coisa preventiva, antes de acontecer o problema”, ressaltou o procurador. Para tanto, além do MPRJ, o grupo de trabalho reúne hoje cerca de 30 técnicos de duas dezenas de órgãos do Rio. “Não há autoridades, são todos técnicos que falam de igual para igual”.

Foi esse grupo que organizou o esquema de segurança para a partida entre Flamengo e Grêmio. Eles classificaram o jogo como sendo de “bandeira vermelha”, a que representa a partida de maior risco entre quatro classificações importadas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Assim, a partida ganhou reforço no policiamento e restrições de acesso a ruas próximas ao Maracanã. O metrô teve seu horário estendido e o serviço de limpeza das vias foi reforçado. O esquema era parecido ao visto na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada do Rio, em 2016.

Outra medida aparentemente prosaica – e ao mesmo tempo contraditória – ajudou a evitar tumulto na entrada ao estádio: promoção de cerveja. Até às 21 horas – trinta minutos antes do início da partida -, era possível comprar duas cervejas pelo preço de uma dentro do Maracanã. “Com uma hora antes do jogo já tinha 60 mil pessoas dentro do estádio”, contou Varela, ressaltando que, historicamente, o pico de acesso costuma ser justamente na última meia hora, o que aumenta riscos de confusão junto às catracas.

“O Gaedest faz parte de um grupo de vários MPs dos estados com relação à bebida alcoólica e a maioria absoluta, esmagadora, é contra a bebida. Eu, em princípio, concordo com eles, mas acho que a gente tem que se prender a evidências práticas”, comentou, em referência ao bom retorno demonstrado pela ação naquele jogo.

PRISÕES – Para a mesma partida, uma ação que aconteceu um dia antes do jogo também chamou a atenção. Na manhã de terça-feira, 22 de outubro, a Polícia Civil e o MPRJ deflagraram uma operação para prender 20 pessoas que planejavam invadir o Maracanã, da mesma forma como acontecera naquela fatídica final de 2017.

O grupo foi desmantelado após um trabalho de inteligência, que monitorou troca de mensagens via redes sociais. “Conseguimos esses mandados de prisão – e foi temporária, não preventiva – porque havia ali uma associação criminosa. Alguns daqueles personagens já tinham feito esse planejamento lá no jogo em 2017”, explicou o procurador.