Adnan Ali, uma dançarina transgênero, levava uma vida confortável, livre das restrições financeiras de que sua comunidade raramente escapa no Paquistão, mas o novo coronavírus a deixou sem renda e ela foi despejada de seu apartamento.

Agora, os salões de festa onde se apresentava estão fechados, e os casamentos e outras celebrações para as quais era contratada não acontecem mais.

Devido à falta de renda, “Dano” – seu nome artístico – teve de deixar sua casa em um rico subúrbio de Islamabad, para dividir um pequeno quarto em um centro de acolhida com outra dançarina, também desempregada devido à pandemia.

No Paquistão, as “khawajasiras”, ou “hijras”, gozam de um status ambíguo: herdeiras culturais dos eunucos da corte sob o império mongol, banidas em seguida pelos colonos britânicos no século XIX, são mais aceitas socialmente do que no Ocidente.

O país foi um dos primeiros a reconhecer legalmente o terceiro sexo, estimado em meio milhão de pessoas, de acordo com vários estudos. Desde 2009, podem obter uma identidade como “khawajasiras” e até tiveram candidatos nas eleições.

Mas, na realidade, aquelas que não se afirmam como dançarinas levam uma vida marginalizada: precisam mendigar e se prostituir, são vítimas de discriminação e às vezes, são assassinadas em um país muçulmano muito conservador.

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Além do prazer de dançar, Mena Gul, de 26 anos, sempre comparou sua vida a uma forma de isolamento.

“Estamos em quarentena a vida toda. Não podemos sair e escondemos o rosto toda vez que saímos de casa”, suspira, olhando para o guarda-roupa agora negligenciado.

Mena Gul também teve de deixar a segurança e o conforto do apartamento que dividia com outras dançarinas em Peshawar, a capital conservadora do noroeste, e agora vive em um bairro pobre nos arredores da cidade.

– Humilhação e isolamento –

Essa situação precária se deve ao novo coronavírus, que matou mil pessoas no Paquistão dentre 48.000 pacientes.

Esses números são considerados muito abaixo da realidade, porém, devido à falta de testes de diagnóstico.

Por mais de um mês, o país implementou um confinamento rigoroso, decretado em 24 de março.

Embora a medida tenha sido relaxada em 9 de maio, os salões de festas ainda não reabriram.

Uma residência em Islamabad de acolhida de mulheres transgênero abrigava há alguns meses uma dúzia delas. Agora, são 70 dessas dançarinas. Muitas têm de dormir no chão.

Sua fundadora, Nadeem Kashish, uma maquiadora que trabalha para um pequeno canal de televisão, teve de recusar muitos pedidos. Ao redor de sua residência, a AFP viu dezenas de mulheres trans implorando por comida.

“Os problemas vão piorar no futuro. (…) A incerteza criou problemas mentais e fisiológicos”, lamenta ela, imaginando se as dançarinas conseguirão recuperar a liberdade financeira que já tiveram.


O medo de contrair o vírus também afastou muitas prostitutas transgêneros, levando à pobreza.

“Elas já enfrentavam a humilhação social. Esse isolamento adicional aumenta o estresse e a ansiedade”, disse Taimur Kamal, ativista dos direitos dos transgêneros.

Para “Dano”, o final do Ramadã, que acontece neste final de semana, deveria ser marcado pela alegria da reunião e pelos momentos felizes com os amigos.

Em vez disso, passa seu tempo procurando financiamento para essa residência.

“Sonho com o momento em que essa história de coronavírus terminará para poder comemorar novamente”, suspira.


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