Joleno e Graciele eram um casal perfeito, daqueles de dar inveja para as amigas e orgulho para as sogras, eles se conheceram na faculdade ainda, Joleno foi calouro de Graciele, que achou engraçado o nome do menino.

– Vem de John Lennon. Sabe como é… minha mãe era meio hippie, explicou envergonhado.

– Achei fofo. E pronto! Bastou para os dois começarem a sair, poderia ter sido um desses casamentos relâmpago, tamanha era a paixão que surgiu logo na primeira semana que se seguiu aos trotes universitários.

– Eu te amo. – Joleno declarou já no terceiro beijo.

– Thanks. — Graciele respondeu para desviar o assunto, mas a verdade é que queria retribuir.

Ocorre que Graciele era de família séria, de católicos fervorosos que iam à missa todo domingo. Ela mesma não era carola como a mãe, ia às vezes, só para agradar ao pai, mas sabia que com amor e casamento não se brinca. Já Joleno estava surpreso com seus próprios sentimentos. Justo ele que sempre disse que jamais casaria, sucumbiu assim, de cara. Viraram um casal modelo durante todo o curso de Direito. Raramente um era visto longe do outro na cantina.

Graciele se formou primeiro e foi fazer um estágio em Direito Tributário, Joleno se formou um ano e meio depois, porque pegou uma dependência. Os dois viraram sócios antes de virarem marido e mulher: McCartney & Cruz Advogados. Em 1992, compraram um apartamento na planta, em Moema, dois anos para entregar. Então, em 1994, depois de oito anos de namoro e nem uma única discussão, nem como sócios, nem como namorados, finalmente casaram. Na Nossa Senhora do Brasil, que era o sonho de Graciele. Decidiram não ter filhos nos primeiros anos, preferiram viver a avassaladora paixão.

O escritório começava a dar um bom dinheiro, uma bela oportunidade de conhecer o mundo. Foi quando voltaram de Bali, local onde conheceram montanhas vulcânicas repletas de florestas, que Graciele determinou que o momento havia chegado. Joleno, que sempre gostou de crianças, concordou. Tiveram um casal, um logo depois do outro, tipo escadinha: Enzo e Valentina.

O escritório cresceu junto com as crianças, e em 2010 já tinham 80 advogados e uma filial no Rio de Janeiro. Dr. Joleno e Dra. Graciele trabalhavam na mesma sala, que era para ser mais eficiente. Quem conhecia os dois, sabia que a proximidade não seria um problema. O amor do casal era conhecido até por quem não era tão íntimo.

– Uns 20 anos de casados, e os dois ainda se chamam de “musão”, uma família perfeita, tem coisa mais linda? — uma delegada cochichou para o escrivão, num processo que os dois defenderam juntos.

Os irmão Enzo e Valentina entraram numa faculdade americana e mudaram para Boston. Então, quando 2020 começou, a vida da família McCartney Cruz, que agora morava num apartamento na Bela Cintra, decorado
por arquiteta e tudo, ia de vento em popa. Mas como aconteceu em todo o planeta, em fevereiro, foram surpreendidos pela pandemia do novo coronavírus. Joleno estava com pouco mais de 50 anos, mas como tinha bronquite então, por ordem de Graciele, começou a fazer home office muito antes dos primeiros casos surgirem no Brasil. Graciele sentia falta do marido no escritório e dos filhos nos EUA, mas o bem da família estava em primeiro lugar. Então veio a quarentena.

O escritório determinou home office para todos os funcionários. Passou uma semana, duas, três. Joleno
e Graciele não saiam do apartamento nem para fazer supermercado, pediam tudo pelo Rapi e jantavam por Skype com os filhos. A obrigação sanitária de confinamento serviu de gatilho para desencadear algo que estava escondido nessa tenra relação. Foi então que aconteceu. Quando a polícia chegou no apartamento, encontrou Joleno esfaqueado, no meio da sala, ao seu lado Graciele, ainda com a arma do crime na mão. Em seu depoimento, para aquela mesma juíza que achava o casal uma coisa linda, a advogada só conseguiu dizer: “Custava pelo menos botar a porcaria dos pratos na máquina de lavar? Custava?” E gargalhou desvairada.