Há muitos problemas no Brasil, mas certamente a ignorância é um dos mais prejudiciais à coletividade. Quando pensamos em alguém ignorante, geralmente associamos o adjetivo a um indivíduo com educação precária ou alguém que não teve a oportunidade de frequentar uma boa escola. Sim, ser um País com onze milhões de analfabetos, cerca de 6,6% da população, também é problema enorme.

Qualquer analista internacional acharia absurdo um dado como esse em pleno século 21, mas há um bom tempo desistimos de ser levados a sério por qualquer analista internacional. Nosso maior problema no momento, no entanto, é outro. Como afirmou o historiador Daniel J. Boorstin, estudioso da influência da mídia no comportamento social, “o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento”.

Quem viu o depoimento de Nise Yamaguchi na terça-feira (1) à CPI da Covid poderá compreender a dimensão do estrago que a tal ilusão do conhecimento pode causar não apenas à ignorante em questão, mas a todo um povo. Nise (recuso-me a chamá-la de doutora em respeito aos médicos de verdade) acreditou que seu conhecimento sobre medicina era suficiente para se autodeclarar especialista em infectologia. Não era. Ela não entende nada de infectologia, como seu depoimento comprovou.

Sejamos justos: no início da pandemia, a cloroquina, ivermectina e várias outras substâncias aleatórias trouxeram esperanças no tratamento contra a Covid-19. Era uma doença nova, e qualquer tentativa de encontrar uma maneira de socorrer as pessoas era legítima. O problema é que a ciência tem com característica a comprovação científica (desculpe-me pela obviedade), ou seja, basicamente qualquer coisa pode ser testada, mas há coisas que funcionam, e outras que não tem qualquer consequência. Um paciente que toma água todo dia e sobrevive a um câncer pode até acreditar que a razão da cura foi a água, mas será fácil constatar que moléculas de H2O não tiveram nenhuma implicação no caso. É a mesma coisa com a opinião de Nise no combate ao coronavírus: ela acreditou em si mesma. Baseada em quê? Em sua própria ignorância.

Só isso explica uma suposta médica citar em uma comissão parlamentar um estudo descontinuado em dezembro de 2020. Só para lembrar, estamos em junho de 2021. Onde estava Nise nos últimos seis meses? Em coma? Dormindo? Numa ilha deserta? Será que ninguém lhe contou que o estudo da Fundação Henry Ford em que ela se baseou para influenciar toda a política pública de saúde do Brasil no último ano era tão inútil que foi abandonado? Ao ser indagada pelo senador Alessandro Vieira, Nise confessou sua ignorância: “essa informação eu não tinha”, disse ela, à CPI. Vieira pediu, então, que ela mostrasse QUALQUER estudo que confirmasse a eficácia da cloroquina. Nise revirou seus papeis e não encontrou nada. Ou seja: a realidade não compactua com Nise.

Nas redes sociais, os bolsonaristas ficaram em polvorosa alegando que os senadores foram desrespeitosos com Nise Yamaguchi. Não consigo entender o que se passa na cabeça dessas pessoas: acham aceitável uma médica enganar as pessoas receitando um remédio que levou milhares à morte mas não acham correto uma comissão de senadores expor que ela é uma charlatã negacionista. A ignorância é mesmo um dos maiores problemas do Brasil.