A médica Nise Yamaguchi conseguiu na CPI da Covid baixar ainda mais o nível de cinismo do elenco de negacionistas do governo. Como outros ex-ministros e auxiliares do presidente, ela mentiu sem nenhum constrangimento. Negou que tenha tido encontros privados com o presidente. Mas a agenda de Bolsonaro registra pelo menos quatro reuniões com a médica, dos quais três com a presença de outras pessoas, e uma a sós. Além disso, ela já declarou publicamente que tinha contatos permanentes com Bolsonaro. Foi inclusive sondada para assumir o Ministério da Saúde. “Eu desconheço a existência de um gabinete paralelo. Não teria nem como enunciar pessoas que participem.” Mas Nise atuava no Planalto à revelia do ministro da Saúde e do chefe da Anvisa, que denunciou a tentativa de mudar a bula da cloroquina numa reunião com a presença dela a poucos passos da sala do presidente. Também reiterou a defesa do “tratamento precoce”, eufemismo para a prescrição de remédios sem eficácia contra a doença. O atrevimento das suas negativas aumentou seu papel na tragédia. Ao emprestar seu currículo (oncologista, imunologista) para legitimar uma estratégia política da morte, que visava contaminar todos os brasileiros para atingir uma “imunidade de rebanho”, contribuiu decisivamente para a ação que colocou o Brasil como epicentro global da doença, com a morte de quase meio milhão de brasileiros.

Na histórica política brasileira há vários episódios infames de mentiras. Políticos, como um ex-governador paulista, negaram ter conta no exterior mesmo confrontados com sua assinatura em documentos da Suíça à sua frente. Um ex-deputado disse que ganhava em série prêmios de loteria porque tinha sorte. O ex-governador Ademar de Barros levava na esportiva. Dizia que “roubava, mas fazia”. No escândalo do Mensalão, criou-se a estratégia do caixa 2, o “dinheiro não contabilizado”. A propaganda petista reelegeu Dilma acusando os adversários pelo risco de crise econômica, quando o País já mergulhava na maior recessão da história. Mas o governo Bolsonaro estabeleceu um novo patamar de dissimulação. Os depoimentos que negam a realidade mostraram que a mentira é um método, uma política de Estado. A verdadeira inspiração desse governo fica cada vez mais clara. Foi o braço direito de Hitler quem ensinou: uma mentira dita mil vezes vira verdade. Cabe à CPI expor essa estratégica da indignidade e nomear os responsáveis da máquina coletiva responsável pela maior tragédia humanitária da história do País.