Sejamos francos: ninguém gosta de pagar tributos. Ainda mais no Brasil, onde o dinheiro do contribuinte vai se estraviando por causa de ineficiências e corrupção, em vez de se transformar em serviços públicos de qualidade.

O curioso no Brasil é que ninguém odeia mais os tributos do que os templos religiosos. Eles já são isentos de todos aqueles que mais pesam sobre os comuns mortais, mas não querem pagar nada. Zero. Nenhum tostão. Seus representantes no Congresso estão em perpétua guerra profana para ampliar as isenções. 

A briga do momento diz respeito a multas pelo não recolhimento de contribuição previdenciária sobre prebendas (o salário dos pregadores) e ao pagamento da Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL).

Regras caridosas de perdão, escondidinhas em um projeto que não tinha nada a ver com o assunto, foram propostas por um deputado federal que também é filho do dono de uma igreja. A lei foi aprovada na surdina pelo Congresso e seguiu para sanção do presidente. 

Na noite deste domingo, já depois das 22h, Jair Bolsonaro publicou uma mensagem em uma rede social sobre o assunto. Explicou que sancionou o perdão às multas previdenciárias, mas vetou a isenção ao pagamento da CSLL.  

O elemento incrível da história é que Bolsonaro criou o “veto com dispositivo de autodestruição”. Prevendo a chiadeira das igrejas, que são parte importante de sua base de apoio, ele incentivou os parlamentares a derrubar seu veto. Disse que faria exatamente isso se ainda fosse deputado. 

 Segundo o presidente, ele só barrou o dispositivo sobre a CSLL porque não pode abrir mão de receita tributária a menos que haja um estudo detalhado sobre o impacto nas contas públicas e uma justificativa sólida para a medida. São imposições legais para o seu cargo. Como nenhuma das duas coisas foi apresentada, ele avaliou que correria risco de impeachment caso se mostrasse tão magnânimo com o dinheiro público.

Lembremos que cálculos não-oficiais estimam que a benesse fiscal, caso integralmente concedida, seria coisa de R$ 1 bilhão. 

Na manhã de hoje, como previa Bolsonaro, o mimimi da bancada religiosa foi forte. Vale a pena discutir o argumento diabolicamente capcioso utilizado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM), autor do projeto onde o perdão às dívidas foi enxertado. 

Numa manifestação ao site O Antagonista, ele reclamou que o movimento do Congresso está sendo interpretado de maneira equivocada, pois não seria uma anistia tributária. 

“As igrejas não devem nada porque a Constituição e o STF deram a elas imunidade tributária”, esbravejou Ramos. “Ninguém deve o que a Constituição diz que não precisa pagar. Quem quiser mudar isso tem que mudar a Constituição.” 

Está tudo tão errado que é difícil saber por onde começar. 

Dizem que Deus está nos detalhes. Pois é. Se a Constituição quisesse livrar igrejas de qualquer obrigação tributária, diria exatamente isso. No entanto, a Carta só as isenta de pagar impostos. Tecnicamente, nem todo tributo é imposto. Há também taxas e contribuições. A princípio, elas devem ser recolhidas pelos cultos. Daí a cobrança do Fisco em relação a duas contribuições, a previdenciária e a CSLL. 

É o contrário do que afirma o deputado Ramos: a Constituição precisa mudar para que as igrejas fiquem relmente isentas de qualquer tributo. 

Também não é verdade que o Supremo Tribunal Federal concedeu imunidade irrestrita às igrejas. Em 2015, a corte tratou do caso das contribuições previdenciárias. Avaliou que os pregadores são essenciais à missão religiosa e, portanto, as suas prebendas não podem ser tributadas. Por isso Bolsonaro se sentiu à vontade para sancionar o trecho da nova lei que diz respeito a esse assunto. (Para ser exato: a lei perdoa dívidas que, por serem anteriores à sentença do STF, o Fisco ainda tenta cobrar.) 

Entretanto, jamais houve um julgamento no Supremo sobre a CSLL. 

Trata-se de uma contribuição que incide sobre lucros. Vamos repetir: lucros. 

Será que os lucros são essenciais à missão religiosa assim como a pregação de um pastor? Será que sem lucro as igrejas não conseguem funcionar? Será que instituições que se organizam como empresas eficientes não podem arcar com esse tributo?

A maioria das grandes empresas hoje em dia distribui bônus aos seus funcionários quando a operação dá lucro. Alguém já viu igreja distribuir bônus entre os fiéis? Só se for no além. 

Também ao fisco as igrejas não desejam pagar nada. Tudo bem. Mas então que lutem por esse direito a céu aberto e de forma limpa. O que fizeram neste episódio foi aprovar de forma sorrateira, em lei, um dispositivo que deveria ser encaminhado em uma Proposta de Emenda Constitucional. Aprovar PEC dá trabalho? Ô, dó.  

Qualquer presidente que não fosse Bolsonaro ficaria orgulhoso de vetar a malandragem da CSLL. Como se trata de Bolsonaro, ele queria fazer a coisa errada. Só não fez porque botaram medo nele. Alguém inclusive o convenceu a levantar a bola da PEC.