Desde que anunciou a intenção de driblar o teto de gastos, cresceu a chance de Paulo Guedes deixar o Ministério da Economia. O fim da responsabilidade fiscal derrubou a expectativa de crescimento. O banco Itaú já espera uma recessão no ano que vem, com uma queda de 0,5% do PIB. A MB Associados fala em estagflação ao longo de 2022. Para Alexandre Schwartsman, diretor do BC entre 2003 e 2006 e ex-economista-chefe do Santander, essas previsões ruins indicam que ninguém colocará a carreira em risco para sentar na cadeira de Guedes. “São expressões das incertezas políticas que daqui em diante podem se aprofundar”, analisa. O economista considera que, em grande parte, a culpa é do próprio ministro. “Tinha perspectativas negativas sobre esse governo desde 2018. Ele não se interessou pela reforma tributária por uma questão de ego, pois ela não veio dele”, critica. Como resultado, o País enfrenta uma situação comparável à do fim do governo Dilma Rousseff. “Estamos contemplando a possibilidade de um problema fiscal com paralisia política cujo resultado será similar à recessão de 2014, mas com um ponto de partida ainda pior.”

Por que a economia brasileira se deteriorou tanto?
O País desperdiçou muitas oportunidades. É o caso da questão fiscal: já se sabia que o teto de gastos só se viabilizaria se, ao longo dos anos, fosse possível reduzir o ritmo das despesas obrigatórias. Houve algum sucesso neste sentido apenas no caso da reforma da Previdência. Os gastos continuaram subindo de forma acelerada, e não é por outro motivo que agora vemos este governo escapar do teto. A mesma coisa aconteceu com a reforma tributária, da qual o Brasil depende para sustentar um crescimento de longo prazo, ou a necessidade de abrir a economia ou de incentivar a competição. Não há segredos sobre o que precisa ser feito, mas o Brasil tem se mostrado incapaz de forjar consensos políticos.

O que impede essas reformas?
Essas medidas ficam sempre travadas no Congresso. Ali não há uma discussão a fundo dos nossos problemas, mas apenas diferentes grupos de interesse brigando por pedaços da renda nacional dentro do orçamento.

O governo não tem responsabilidade nesse fracasso?
No caso da reforma administrativa existiam arestas que precisavam ser aparadas. Então, era necessário um presidente que a matasse no peito — o que não é o nosso caso. Bolsonaro é, por natureza, um sindicalista militar latu sensu. E polícias são um ponto delicado nessa reforma. Já a tributária é mais difícil de entender. É um problema mais psicanalítico do que econômico ou político, porque ela estava pronta, com um bom grau de entendimento de todos os atores, e mesmo assim o ministro da Economia não quis levar adiante. Me parece que Guedes não se interessou pelo tema por uma questão de ego, pois a reforma não veio dele.

O que o sustenta no cargo de ministro da Economia?
É que será difícil achar alguém com reputação que esteja disposto a assumir, além do ambiente político corrosivo. Parte da culpa pela falta de consensos políticos é do presidente que, na verdade, nunca teve projetos para realizá-los. Ele sempre foi um representante de corporações — militares, no caso. Bolsonaro é parte do problema, não da solução. Sem contar que a agenda que Paulo Guedes propôs na campanha eleitoral e nos primeiros anos de governo não existe mais. Ele falava que ia acabar com o déficit em um ano, que ia arrecadar R$ 1 trilhão em privatizações, que ia abrir a economia… Aquela agenda liberal foi se esvaindo ao longo do caminho. A verdade é que a sociedade brasileira não compra um projeto liberal e, depois do Guedes, vai comprar ainda menos. A força do ministro, entendendo isso como a sua permanência, é justamente a sua fraqueza: é um negócio tão tóxico que ninguém um pouco melhor está disposto a entrar nessa roubada.

Mas a possível saída dele assustou o mercado. Ainda há temor de que ele deixe o ministério?
É que uma alternativa a ele pode ser ainda pior. É difícil imaginar alguém que seja tão ruim quanto o Guedes, mas uma coisa que a experiência me ensinou é que sempre pode piorar, e que neste caso seria alguém ainda mais refém dos desejos políticos do presidente.

Quais serão as consequências da implosão no teto de gastos promovida pelo governo?
Imediatamente, será uma deterioração das contas públicas do ano que vem. A questão é mais delicada, porém, porque tratase do fim de um regime fiscal. O teto de gastos balizou, até agora, o comportamento da política fiscal, dando previsibilidade a ela. Nas duas décadas que antecederam o teto, os gastos cresceram cerca de 6% ao ano além da inflação. A ideia era colocar um fim nisso. Sem esses mecanismos, as pressões sobre o orçamento vão se transformar em mais despesas. A consequência de longo prazo é inflação mais alta e, portanto, juros mais elevados e capacidade de crescimento menor.

A ameaça do calote dos precatórios é mais grave do que o desrespeito ao teto?
Não é ameaça. Bolsonaro não irá pagar. Do ponto de vista institucional, é mais grave, e isso levando em conta que o furo do teto já é muito grave. A questão é de contrato social. O Estado tem que obedecer às leis assim como nós. Ele não está acima delas. Mas esse governo está mudando a lei. Se alguém o processou e ganhou, é porque houve um entendimento de que existiu uma quebra de contrato. Mas quando o Judiciário decide, o jogo acaba — ou deveria acabar, pelo menos.

O atual governo chegou a prometer algo diferente disso?
Eu tinha perspectivas negativas sobre este governo desde o fim de 2018. Se houve quem acreditou, como o pessoal da Faria Lima, com certeza estão decepcionados. Muita gente boa, como [os economistas] Pérsio Arida, Edmar Bacha e Elena Landau não caíram no conto do Paulo Guedes. Eu não estou no nível deles, mas já observava ali o que estava acontecendo e o naipe das pessoas que estávamos colocando no poder. Não era difícil concluir que tudo terminaria em sangue, suor e lágrimas.

O governo Bolsonaro estava fadado ao fracasso?
A sociedade estava dividida, sem condições de forjar consensos políticos, e estava elegendo uma pessoa sem nenhum compromisso com os ideais pregados pelo ministro da Economia. Na verdade, o presidente tinha uma trajetória oposta, corporativista, que tendia a agravar o conflito político.

O real é a moeda que mais se desvalorizou entre os países emergentes. Por quê?
Pela incapacidade da sociedade brasileira em resolver seus conflitos. O resultado disso se espelha na pressão sobre o orçamento. Disso decorre uma percepção de que somos incapazes de colocar nossas contas em ordem e de controlar nosso endividamento público por outro meio que não a inflação elevada. Todo esse caos político ajuda a pressionar ainda mais a moeda. Daí em diante é risco fiscal. É por isso que os juros subiram e o dólar deu uma pernada.

Os impactos dessa crise se farão sentir até quando?
O melhor paralelo é o período da presidente Dilma Rousseff. Nós estamos contemplando a possibilidade de um problema fiscal com paralisia política cujo resultado será similar àquela recessão, mas com um ponto de partida ainda pior. A recessão da Dilma começou em 2014 e acelerou no começo do ano seguinte, quando os impasses políticos ficaram claros. No entanto, a proporção da dívida em relação ao PIB era de 50%. Hoje, é de 84%. Tudo depende do que vai acontecer na eleição.

Qual seria o melhor cenário eleitoral para outubro de 2022?
Um derretimento do presidente da República nas pesquisas e o aparecimento de alguma alternativa de centro- direita ao ex-presidente Lula que seja capaz de exercer esse papel de forjar consensos. Se isso acontecer, temos uma chance. Se não aparecer nada parecido a isso — e o País entrar mesmo em uma disputa polarizada —, corremos o risco de uma recessão muito parecida à de 2015.
A greve anunciada pelos caminhoneiros fracassou. Essa ameaça impacta ainda mais nesse cenário?
Houve muitas tentativas de fazer uma greve desse tipo. A de 2018 funcionou, gerando lideranças audazes. Elas, porém, não conseguiram mobilizar a categoria novamente, mesmo no Sete de Setembro. Se conseguirem fazer algo parecido ao que aconteceu em 2018, os impactos serão visíveis — inclusive no PIB deste ano.

A desaceleração chinesa também é uma ameaça?
Sim, porque os preços das commodities estão historicamente relacionados ao PIB brasileiro. Se houver uma desaceleração, o Brasil sofrerá mais do que a média dos outros países. Isso porque nós temos uma complementaridade significativa no perfil do comércio internacional com a China. Muito do nosso crescimento na primeira década deste século se deu, inclusive, pelo aumento dos preços dessas commodities, possibilitando expandir os nossos investimentos. Perder isso seria muito ruim.

O País entrará em estagflação?
Se compararmos o cenário atual com a taxa de crescimento do ano passado, não estamos nessa situação. Mas há dois elementos que são próximos a isso: um é a coexistência de taxas muito altas de inflação e de desemprego. Outro é que comparações com 2020 não são parâmetros. Os desempenhos da produção industrial, do varejo ou dos serviços, por exemplo, mostram uma economia andando de lado desde o começo de 2021. Não se trata de um caso clássico de estagflação, mas é sim um contexto de baixo crescimento com inflação elevada.

Por que as previsões para 2022 estão cada vez mais pessimistas?
São sinais de uma economia que não cresce e sobre a qual ainda há muitas forças negativas. A principal delas é o aumento da taxa Selic. Mesmo os juros futuros estão em elevação há algum tempo, reflexo das perspectivas sobre as contas públicas. Isso tende a deprimir a atividade econômica. Mas esses prognósticos também são expressões das incertezas políticas para 2022. A mais óbvia delas é sobre quem será o presidente, mas há muitas dúvidas sobre para qual lado caminhará a reforma tributária, por exemplo. Sem contar os ventos do cenário internacional.