Nilo se transformou num sujeito descrente.
Desistiu, simplesmente, das escolhas que temperam a vida.
Para Nilo, o País, o mundo, a existência não tinham mais salvação.
Tudo por causa da política.
Nilo foi militante do PT nos anos 80.
Do PMDB nos 90.
Em 2000, virou PSDB.
E em 2010, PSOL.
Um dia acordou e desistiu.
No bar revelou sem emoção:
– Não tem mais nada que preste nesse mundo.
– Na política, Nilo?
– Em tudo. Política, Esportes, Educação, tudo. Foi tudo pro vinagre.
– Futebol não, Nilo, pera lá! É só fase.
– Fase? Pois 7×1 é o que eu te digo sobre “fase”. Nem time tenho mais.
– Como assim, Nilo, você não torce mais pra time nenhum?
– Nenhum. Futebol é circo. E corrupção.
– Carro. Marca de carro preferida tem que ter.
– Não. Todas fazem recall. Não dá pra confiar.
– Uber ou taxi?
– Uber é perigoso. Táxi é desconfortável.
– Comunismo ou Bolsonaro?
– Comunismo é utopia, não deu certo em nenhum lugar. Socialismo é autoritário e só sobrevivem os amigos do partido. Liberalismo é coisa de rico mimado. Extrema Direita é fascista.
– Loira ou Morena?
– Sério que você ainda não se ligou que mulher é problema? Homem também.
Nilo seguia sua vida cada vez mais amargo.
– Petralha ou Coxinha, Nilo?
– Esqueceu do Isentão, é ou não é? Não caio nessa, não. – desviou.
Um dia Nilo chegou em casa cansado.
Tirou o paletó furta-cor.
Tomou um genérico para dor de cabeça e despencou no sofá-cama.
Do bolso da calça tirou um iPhone e um Android.
Checou os emails pessoais num e os profissionais noutro.
No grupo do WhatsApp “Escolhe Nilão!” alguém postou:
“Dilma ou Temer?”
“Dilma pedala, Temer conchava”.
O tempo passou.
O que começou como uma brincadeira, passou a preocupar de verdade os amigos.
– Mas porque isso, Nilo?
– Porque o mundo é assim, porra. Não tem resposta certa, nunca.
Nilo não saía mais de casa, não aparecia mais no bar.
Raramente atendia o celular.
Dormia quase o dia todo.
Os amigos tentavam animá-lo:
– Nilão! Saiu o impeachment! A mulher caiu, rapaz. Tá vendo como ainda há esperança?
– É. Mas desmembraram o processo em dois. – e desligou lacônico.
Nada tirava Nilo daquele estado.
– É depressão que ele tem? – perguntaram a um médico amigo.
– Não…pior. É descrença mesmo. – diagnosticou.
A esperança de todos estava no julgamento do Cunha.
Combinaram de assistir a sessão na casa do Nilo, depois de muito insistir.
Pelo computador, porque Nilo não tinha televisão.
– TV aberta é um lixo e TV à cabo é uma roubalheira.
Quando começou a sessão, Nilo resmungou:
– Vocês fiquem à vontade que eu vou dormir.
– De jeito nenhum Nilo! Senta aí e fica quieto que hoje você sai dessa crise! – protestaram e o obrigaram a ficar.
A sessão demorou horas.
Mas aos poucos, para a surpresa de todos, Nilo foi se animando.
Vibrando a cada discurso.
No final, Cunha caiu.
Os amigos festejavam como em final de campeonato.
Um deles levou até serpentina e confete.
– Porra Nilo! Tá vendo! A gente te disse rapá! Esse País tem cura!
O rosto de Nilo estava transformado.
Nilo estava fora de controle.
Arrancou a camisa e começou a pular e dançar com os amigos.
Foi então que todos entenderam.
Nilo não era nem descrente, nem deprimido.
Era, na verdade, o retrato do Brasil de hoje:
Bipolar.

Nilo não era nem descrente, nem deprimido. Era, na verdade, o retrato do Brasil de hoje: Bipolar.