Nilce Azevedo Cardoso, a jovem que queria ser bailarina

Reprodução
Foto: Reprodução

É comum que aos 17 anos qualquer pessoa carregue sonhos em sua mente. Muitos, aliás. Foi o caso de Nilce Azevedo Cardoso, que nasceu na cidade de Hortolândia, no interior de São Paulo, há 77 anos. Ela imaginou ser bailarina quando atingiu essa tenra idade. O destino, porém, lhe foi cruel ao dar outro encaminhamento à sua trajetória. Ela deixou as sapatilhas na mais profunda gaveta da memória e foi estudar Física na USP. O ano era 1964 e os pés da jovem pisaram na universidade no mesmo momento em que os tanques da ditadura militar iniciaram os anos de chumbo que duraram 21 anos. O nome dessa guerreira incansável é

Na cabeça dela, ainda cheia de bondade o golpe era um absurdo e do mesmo jeito que outros estudantes fizeram, optou pela resistência ao golpe. Nunca pegou em armas, preferiu a batalha no campo das ideias. Como a perseguição a quem se opunha ao regime militarista era feroz, foi obrigada a viver na clandestinidade, a partir de1969, na capital gaúcha, Porto Alegre. Virou operária e professora.

Todos os sonhos que alimentava, como ser bailarina, e depois o de viver em um País democrático, caíram por terra quando foi sequestrada por forças do Exército em 1972 e levada para o Departamento de Ordem e Política Social, o temido Dops porto-alegrense. Em quase seis meses de cárcere, foi submetida a horriveis sessões de tortura. Foi estuprada diversas vezes, levou choques em suas partes intimas, soco e pontapés um sem-número de vezes, sangrou, sangrou, sangrou!

Ao sair da prisão, ficou anos sem conseguir pronunciar o próprio nome, pois todas as vezes que tentava dizê-lo, lhe vinha a lembrança. “No Dops, me pediam sempre para que eu dissesse meu nome e quando eu abria a boca para falar, me davam um fortíssimo murro”, contava.

Essa mulher ficou durante 20 anos em tratamento psicoterapêutico para minimamente reconstruir o que havia sido quebrado. Ela contava também que a intenção dos torturadores, além de massacrarem fisicamente os oponentes do regime era desumanizá-las para obter confissões. Corajosa, manteve sigilo em relação à identidade de seus companheiros de luta. O delegado Pedro Seeling e o coronel Carlos Brilhante Ustra, que foi chefe do DOI-CODI, foram os principais torturadores.

A história dessa brava defensora da democracia e dos direitos humanos deve ser sempre recordada, pois ela “sabia que sem memória não há justiça”. Sua luta demonstra que as derrotas de Bolsonaro nas urnas e do bolsonarismo na política são de vital importância para que o País não seja destruído de uma vez, como desejam os seguidores do ex-capitão. Nilce Cardoso morreu nesta terça-feira, 22, sem ter tido o sonho de dançar no Municipal.