A Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) convocou os representantes do governo e da oposição a integrar nesta segunda-feira (28) uma comissão especial para tentar destravar o diálogo, suspenso na semana passada por desavenças entre as partes.

A Comissão de Mediação e Testemunha busca que os representantes do governo do presidente Daniel Ortega e da aliança cívica – formada pelos estudantes que lideram os protestos contra o governo, a sociedade civil e os empresários – consigam acordar a agenda de discussão das negociações para acabar com a crise política e social que afeta o país desde 18 de abril e que deixou ao menos 84 mortos em protestos violentos e confrontos.

Os protestos contra o governo começaram em 18 de abril, quando os estudantes se opuseram a uma reforma do sistema de pensões, mas se espalhou a outros setores, que agora pedem a renúncia do presidente.

As duas partes “propuseram sua agenda de trabalho que gira em torno da democratização do país, da retirada dos bloqueios” das estradas e o fim da violência, indicou o coordenador da mesa, o bispo Carlos Avilés, ao anunciar a abertura da reunião no Seminário Nossa Senhora de Fátima, em Manágua.

A sessão se desenvolve em meio a novos enfrentamentos entre estudantes e forças de choque do governo, manifestações antigovernamentais e bloqueios rodoviários.

“Esperamos poder destravar o diálogo, tudo dependerá muito da vontade do governo”, disse à AFP Azahálea Solís, representante da sociedade civil no diálogo.

Os bispos suspenderam na quarta-feira passada o diálogo que aceitaram mediar entre as duas partes depois que o governo rejeitou a agenda apresentada pela oposição para as conversas.

Veja a seguir os possíveis três cenários pelos quais a crise nicaraguense pode passar:

– Retomada do diálogo –

É provável que os bispos consigam que o governo e a oposição voltem à mesa de diálogo, embora as conversas possam se prolongar sem alcançar acordos importantes no que se refere à democratização do país.

“O povo tem muita esperança e confiança de que o diálogo nacional possa ser uma saída cívica e pacífica (…) Ainda não fracassou, o que foi suspenso foi a mesa plenária”, disse à AFP o acadêmico Carlos Tunnerman, representante da sociedade civil nas práticas.

A primeira-dama e vice-presidente, Rosario Murillo, disse que a crise vivida pelo país “é uma situação extrema e que todos sabemos que tem propósitos claros”, em alusão à exigência de saída do governo, pelo qual pediu “compreensão (…) com exposições sensatas de todos os setores” no diálogo.

Se o governo mantiver sua postura de não ceder na democratização, “estaremos correndo o risco de uma guerra civil. Não estamos apostando nisso, mas seria irresponsável dizer que não estamos vendo”, advertiu o ex-deputado Eliseo Núñez, do Partido Liberal Independente (PLI).

– Resistência cidadã –

Pode acontecer que, paralelamente ao diálogo, os protestos se intensifiquem como pressão para que Ortega deixe o poder no menor tempo possível.

“O verdadeiro diálogo está nas ruas (…) Ortega não quer falar de democratizar porque não pensa em sair, não há outro caminho além de intensificar os protestos”, disse a dirigente da Frente Ampla pela Democracia (FAD), Violeta Granera.

Outra variável analisada pela oposição para pressionar Ortega é convencer o setor privado, outrora aliado do governo, a convocar uma greve nacional, de acordo com Granera.

Mas enquanto os estudantes e a oposição política querem uma mudança imediata no poder, os empresários propõem uma saída gradual de Ortega e resistem a convocar uma greve nacional.

O movimento camponês, que realiza o bloqueio de estradas em vários pontos do país, anunciou que não suspenderá esta forma de luta, como exige o governo, porque é um mecanismo “não violento e efetivo de resistência”.

– Neutralizar os protestos –

O governo poderia decidir reprimir até acabar com os protestos restabelecendo as condições prévias ao início das manifestações e arriscando uma condenação internacional e eventuais sanções.

De fato, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um ente da OEA, realizou uma missão que terminou na semana passada, após a qual destacou que há “uma situação complexa” com “um padrão de violência e repressão” em “um ambiente de intimidação, de ameaças”, enquanto exigiu ao governo de Ortega que garanta a “integridade” de 13 líderes estudantis, os quais considerou estarem “em risco”.

Os Estados Unidos, por sua vez, atribuiu a violência no país a “capangas controlados pelo governo” e exortou “a criarem as condições propícias para um diálogo crível e inclusivo”, assim como a acatarem as conclusões da CIDH “para assegurar que prestem contas e se faça justiça”.

Não obstante, a situação “está em um ponto que, embora Ortega tivesse a capacidade de acabar com os protestos, é incapaz de manter a paz social no país”, considerou o ex-deputado Núñez.

“Não há como voltar atrás” nesta crise, porque se Ortega reverter a situação a seu favor, “nos esperam mais crimes e uma política de terror seletiva” contra opositores, disse à AFP o general reformado Hugo Torres.