Diante da emergência climática, países, cidades e empresas têm se comprometido com a via da neutralidade de carbono. Mas é preciso atentar para as letras miúdas, alertam especialistas.

Mais de 110 países – responsáveis por 65% das emissões mundiais de CO2 – se comprometeram a alcançar a neutralidade de carbono até 2050, segundo as Nações Unidas. Entre eles estão grandes emissores, como Reino Unido, Japão e Coreia do Sul.

A União Europeia e o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, querem seguir pelo mesmo caminho. A China, que é responsável por um quarto das emissões de gases de efeito estufa do mundo, estabeleceu o prazo limite de 2060 para neutralizar suas emissões.

“Cada país, cidade, instituição financeira e empresa deveria adotar planos para chegar a zero emissões líquidas até 2050”, pediu recentemente o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Mas do que estamos falando exatamente?

A neutralidade de carbono significa que um país não deve emitir mais gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, do que os que for capaz de absorver através de, por exemplo, plantio de árvores ou tecnologias para capturar CO2 diretamente da atmosfera.

– Cuidado com os detalhes –

Mas isto permitirá limitar o aquecimento global a um nível muito abaixo de 2°C, ou inclusive 1,5°C, como previsto no Acordo de Paris, quando as temperaturas já subiram 1,2°C em comparação com o período pré-industrial e os desastres se intensificam?

“O diabo mora nos detalhes”, adverte Kelly Levin, do World Resources Institute, que explica que pelo menos quatro fatores entram em jogo para assegurar a seriedade destes compromissos.

O primeiro é se se tratam de emissões de todos os gases de efeito estufa ou apenas de CO2. Este último é responsável por mais de três quartos do aquecimento global, mas as concentrações de metano – principalmente devido a vazamentos e à pecuária – estão aumentando.

A Nova Zelândia, por exemplo, optou por reter apenas o CO2 na ambição de ser neutra em carbono até 2050, enquanto um terço das suas emissões de metano provêm da pecuária.

Também é preciso ver as etapas. “Comprometer-se a reduzir as emissões até 2050 não significa necessariamente que vão agir a partir de agora para conter o aquecimento a 1,5°C”, diz Teresa Anderson, da ActionAid International.

O Reino Unido, que sediará uma cúpula virtual sobre o clima em 12 de dezembro, se comprometeu em reduzir suas emissões em 68% até 2030 (em comparação com níveis de 1990), algo que poucos países fizeram até agora.

No entanto, os cientistas são unânimes quanto à necessidade de se reduzir drasticamente as emissões de gases-estufa produzidas pelos humanos a curto prazo.

Segundo o painel de climatologistas da ONU, o IPCC, esta redução deve alcançar 45% até 2030 e 100% até 2050 para que os termômetros não passem de 1,5°C.

– Sumidouros de carbono –

Um terceiro fator a se levar em conta é o papel que desempenham os sumidouros naturais de carbono, como os oceanos, os solos e as florestas, assim como os artificiais.

A ideia mais popular entre as empresas, como as empresas petroleiras, as companhias aéreas e, mais recentemente, a gigante suíça da alimentação, Nestlé, é plantar bilhões de árvores.

Mas este método tem seus limites, pois requer enormes superfícies de terra que não podem mais ser usadas na agricultura.

Outra estratégia, a de armazenar no subsolo o CO2 emitido pelos biocombustíveis, tem as mesmas limitações, sem mencionar o risco de “utilizar a terra para compensar o carbono nos países do sul”, em detrimento das populações locais, advertiu Jesse Bragg, da ONG Corporate Accountability.

Já as tecnologias de captura e armazenamento de CO2 ainda estão engatinhando.

“Há muita incerteza sobre estes sumidouros de carbono, tanto naturais, quanto artificiais”, diz Kelly Levin. Isto não impede que as gigantes petroleiras Shell e BP baseiem suas promessas de alcançar a neutralidade de carbono nestes métodos controversos.

Ao contrário, “as emissões devem ser reduzidas ao máximo possível na fonte”, afirma Duncan McLaren, professor do Centro de Meio Ambiente da Universidade de Lancaster.

Uma quarta limitação é que muitos planos nacionais para a neutralidade de carbono incluem os setores da aviação e do transporte marítimo, que estão entre os dez maiores contaminantes do mundo.

“Não há diretrizes, nem princípios reconhecidos para estes planos, que portanto estão cheios de carências”, avalia Bragg. Isto poderia melhorar se for contabilizada a redução de CO2 separada da de outros gases de efeito estufa.

Mas, mesmo se todos os compromissos de neutralidade de carbono forem cumpridos, o desafio ainda será grande.

“Se todo mundo conseguir a neutralidade do carbono, só se estabilizará o nível dos gases de efeito estufa na atmosfera”, adverte Duncan McLaren. Não há certeza de que o aquecimento global se limitará abaixo dos 2°C e que seu impacto será menor.