Usada na fabricação de cosméticos, perfumes, produtos de limpeza, remédios ou apenas como uma planta decorativa, a lavanda, principalmente a cultivada na famosa região da Provença, no sudeste da França, nunca esteve tão apagada como agora. Isso porque o verão de 2022 na Europa foi devastador: seca intensa intercalada com rápidas chuvas de granizo deixaram as populares plantações de lavanda não apenas sem a sua tradicional coloração lilás, mas também inutilizáveis para a comercialização. Produtores e cientistas especializados no setor vinham soando o alarme há anos devido ao problema causado pelo aquecimento global, mas a safra deste ano deve ser a primeira a ter uma produção realmente baixa, cerca de 50% menor que a do ano anterior. Essa situação, inclusive, deve se tornar cada vez mais comum ou até mesmo irreversível enquanto medidas efetivas de proteção ao meio ambiente não forem amplamente adotadas.

TOQUE FINAL Da França para o mundo: funcionária da empresa cosmética Nicolosi sela com cera quente garrafa de lavanda produzida em Provença (Crédito:LANSARD GILLES / HEMIS.FR)

O plantio das duas principais espécies da planta, a lavanda fina (Lavandula angustifolia) e lavandim (Lavandula latifolia), é feito anualmente, ou seja, há apenas uma safra por ano. Visualmente, é fácil ver a diferença entre as duas: as finas tendem a crescer como uma planta densa e encorpada, sendo ideais para a fabricação de óleos essenciais, perfumes refinados e buquês. Já o lavandim sempre é transformado em óleo, por seu aroma forte, e vendido para diferentes indústrias, como a de produtos de limpeza e cosméticos em geral. Não é de hoje que a lavanda é conhecida por suas propriedades relaxantes. Durante a Peste Negra, que castigou a Europa na Idade Média, era considerada milagrosa e bastante buscada para afastar os efeitos nefastos da doença.

Para o geólogo e professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Maria, Cássio Arthur Wollmann, as flores são mais sensíveis às mudanças climáticas que outras vegetações. “A lavanda se acostumou a se desenvolver em uma temperatura entre 20 e 30 graus, esse é seu ‘ótimo climático’. Então, em um processo de constantes mudanças de clima, você está interferindo nessa característica da planta”, diz. Ou seja, quando a flor perde a beleza, perde seu poder no mercado, o que, no caso francês, também se torna um problema para o turismo.

Made in Provence

A região conhecida como PACA (Provence-Alpes-Côte d’Azur) é o destino número um para os turistas franceses – em busca de praia e campos silenciosos – e o segundo mais visitado por estrangeiros depois de Paris, atraindo cerca de 30 milhões de visitantes a cada ano. Como a lavanda se adapta a diferentes áreas do mundo, dificilmente entrará em extinção, mas para a região francesa que apresentou um pedido oficial para que sua planta emblemática seja classificada como Patrimônio Mundial pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, o golpe financeiro pode ser alto.

Atualmente, a Bélgica é a maior produtora de lavanda do mundo, mas, segundo Wollmann, há outros fatores a serem considerados. “Um ponto importante é a questão cultural e histórica: o cultivo da lavanda no sul da França é antigo. Então, a produção agrícola tem componentes climáticas, comerciais e culturais.” Para quem sonha em se inebriar nos coloridos campos franceses, é aconselhável antecipar os planos de viagem. Afinal, pode ser que essa paisagem esteja com os dias contados.

Um clássico renovado diante da crise

NOVA SAFRA Degustação de vinho em Cadaujac, próxima a Bordeaux: produção da região modifica sabores e aromas (Crédito:GEORGES GOBET)

Para os vinhos de Bordeaux, as mudanças provocadas pela crise climática é oportunidade para renovação e descoberta de novos aromas e sabores. Mesmo diante da seca e das ondas de calor, viticultores da região se adaptam às novas condições e esperam excelente safra para 2022, com vinhos que atualizam os padrões de um “tradicional Bordeaux”. Segundo dados das primeiras colheitas na propriedade do famoso e centenário Château Carbonnieux, as uvas estão 30% a 40% menores do que as habituais e também repletas de açúcar, com 13,5 graus de álcool potencial. Ali uma garrafa de Grand Cru Classé de Graves custa em média R$ 2 mil. Contudo, por causa de parte das frutas ter sido cristalizada pelo sol, o volume da produção deve ser menor, gerando aumento de preço e expectativa no mercado.

* Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes