FALÁCIA O deputado Kataguiri discorda da criminalização do nazismo na Alemanha (Crédito:Divulgação)

O que poderia ser só mais uma bizarrice do entrevistador do Flow Podcast e youtuber Bruno Aiub, o Monark, acabou se transformando num crime cometido a céu aberto, diante de milhões de testemunhas. Monark, que entrevistava os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), emporcalhou o debate público ao defender e justificar a criação de um partido nazista no Brasil estabelecido por lei, como parte da disputa democrática. Foi acompanhado no delírio ultradireitista pelo deputado Kataguiri – e freado por Tabata. Além disso, declarou, em nome da liberdade de expressão, que aceita o ódio aos judeus e que as pessoas têm direito de exercer esse ódio no jogo político. A fala do youtuber foi imediatamente convertida em escândalo e expôs de maneira aterrorizante um fenômeno que se intensifica no Brasil: a naturalização de doutrinas nazistas, numa espécie de banalização do mal, como disse a filósofa Hannah Arendt.

PONDERAÇÃO A deputada Tabata Amaral esclareceu que o nazismo é uma doutrina criminosa (Crédito:Divulgação)

O discurso hitlerista deixou de se esconder (a autobiografia do ditador, Mein Kampf, pode ser comprada em bancas de jornais) e, apesar de sua apologia ser considerada criminosa, invadiu as redes. Ganha espaço mesmo sustentado em um pensamento extremista que apoiou seu projeto de poder, na crença na raça pura e na matança programada e generalizada. No mesmo dia em que Monark fez suas declarações, o comentarista Adrilles Jorge, da Jovem Pan, confirmando que o nazismo está no ar, ergueu o braço direito em uma saudação para Hitler com o pretexto de se despedir de sua audiência. “Vemos uma migração de temas como nazismo e Holocausto dos rodapés dos livros didáticos para as mídias sociais e até para a mesa dos bares, tratados com naturalidade ou de maneira jocosa”, diz o coordenador do Museu do Holocausto de Curitiba, o historiador Carlos Reiss para a ISTOÉ. “Quando se enfraquecem os pilares democráticos e o respeito aos direitos humanos essas falas vêm para corromper a discussão.” Isso ajuda a explicar o crescimento estrondoso de núcleos neonazistas pelo País.

CRIME O comentarista Adrilles Jorge faz saudação nazista: demissão sumária (Crédito:Divulgação)

Houve uma reação judicial e institucional imediata contra a manifestação de Monark e o gesto de Adrilles, que podem ser caracterizados como apologia ao nazismo, criminalizada na lei 7716/89. O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a abertura de uma investigação do caso de Monark para apurar eventual crime. O Ministério Público de São Paulo segue a mesma linha, e trata de investigar o incidente nas esferas cível e criminal, além de abrir outro inquérito para averiguar o gesto de Adrilles, que acabou demitido da Jovem Pan. O Flow Podcast perdeu patrocinadores e Monark, um dos donos da empresa, estaria sendo desligado. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) disse que sua fala é “absolutamente inaceitável”. “Manifestações como essa evidenciam o grau de descomprometimento do youtuber com a democracia e os direitos humanos”, declarou a Conib. Já o ministro Gilmar Mendes disse que “qualquer apologia ao nazismo é criminosa, execrável e obscena”.

Ao promoverem abertamente uma ideologia assassina, Monark e Adrilles entraram num buraco sem fundo. Da ação enérgica da promotoria pública e da Justiça vai depender a mudança de rumo para contenção do discurso de ódio. Tornando-se réus por apologia ao nazismo, a dupla da ultradireita pode até ser presa. O escândalo já motivou a bancada feminina do Senado, liderada por Simone Tebet (MDB-MS), a apresentar um projeto para alterar a lei e tipificar como crime a apologia ao nazismo, a prática de saudações nazistas e a negação, diminuição ou a aprovação do Holocausto, além de endurecer as penas. Para Carlos Reiss, a situação atual oferece uma oportunidade para varrer esse tipo de comportamento deplorável do mapa. “É preciso que essas falas retornem ao esgoto de onde vieram”, conclui.

Sabor tropical

TERCEIRO REICH Militantes posam com bandeira nazista para foto na cidade de Bela Aliança, em Santa Catarina (Crédito:Divulgação)

O Brasil já abrigou a maior seção do Partido Nazista Alemão, o NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), fora da Alemanha, na segunda metade da década de 1930 até o início dos anos 1940, quando caiu na ilegalidade. Quem expõe esse capítulo tenebroso da política brasileira é a historiadora Ana Maria Dietrich, no livro “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”, tese de doutorado defendida na USP em 2007. Segundo ela, o NSDAP operava em 83 países com estrutura partidária e a organização local chegou a ser a maior de todas, com 2,9 mil filiados. O agrupamento nazista brasileiro surgiu em Santa Catarina, lugar que até hoje abriga o maior número de seguidores de Hitler e de negacionistas do Holocausto no País, e se espalhou por 17 estados.