Rodrigo Zaim

Uma mulher que tivesse planejado a gravidez, mas perdeu na corrida do tempo para o coronavírus e não engravidou, está tranquila. A inquietação nesse tempo de pandemia é da mulher que já estava gestando quando todo clima de medo começou. Na verdade, o risco de vida do bebê não está na gestação, embora exista e de forma muita alta em seu primeiro instante no mundo extrauterino. Até agora, no limite que os especialistas puderam observar e pesquisar, não há perigo de transmissão vertical pela placenta. Assim que a criança nasce, no entanto, imediatamente uma grossa máscara tem de ser colocada na parturiente antes mesmo que ela receba, pela primeira vez, seu filho nos braços. O cuidado que precisa-se ter com adultos há de ser mil vezes mais intenso com o recém-nascido, uma vez que o seu sistema imunológico é frágil feito cristal.

Ao contrário do HIV, que no caso da mãe soropositivo é necessária a injeção de coquetel no cordão umbilical no momento do parto para que não ocorra a infecção vertical, o impetuoso e invisível coronavírus poupou aqueles que estão para nascer. Todos os cuidados ficam por conta da família e, sobretudo, da mãe – nunca esteve tão exata a gasta expressão de que “ser mãe é sofrer no paraíso”. “Gente, nunca me senti tão nas nuvens tendo uma segunda filha”, diz Laís Valentim Procidio da Silva. “Mas, ao mesmo tempo, quanto sofrimento tenho carregado com medo de que ela seja infectada”. O medo geralmente é bom porque protege aquele que o carrega. Laís, em nome de sua filha, respeita totalmente a quarentena: “Não coloco o pé na rua”.

ROTINA Com a chegada do novo membro da família as saídas de casa são quase inexistentes. No carro só para ir ao médico: todos de máscaras (Crédito:Rodrigo Zaim)

Conhecer o chico? só por foto

Ainda que os médicos não tenham anotado a transmissão vertical, isso não quer dizer que ela não continue a pendular como uma das grandes dúvidas na rede de transmissibilidade da Covid-19. “Já sabemos aquilo que estamos vendo, mas ainda há muito pela frente o que estudar, praticamente o novo coronavírus ainda nos é desconhecido em seus mais diversos aspectos”, diz o ginecologista e oncologista pélvico Ahmed Mourad. Ainda que desconhecido, os cuidados contra o vírus são pontuais, certeiros e rigorosos. O problema desse inimigo é sempre o depois. Já que as visitas nos hospitais foram brecadas, só pai e mãe acompanham os primeiros dias do bebê, a saída da maternidade é a grande preocupação.“A mãe que já foi contaminada durante a gravidez não pode relaxar e pensar que está livre do vírus passado o período de contaminação”, diz a conceituada obstetra Camilla Pinheiro. “Até o momento não temos nenhum relato de reinfecção”. Quanto à amamentação, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, não existe perigo, desde que a mãe tome todos os cuidados – como por exemplo, o uso de máscaras.

MEDICINA Os recém-nascidos foram poupados da contaminação vertical: preocupação é com o mundo extrauterino (Crédito:Rodrigo Zaim)

No quarto do Hospital Hospitalis, na cidade paulistana Barueri, Gabriela Pereira segura o pequeno Francisco nos braços e pensa no futuro à curto prazo do filho, que chegou à vida na segunda-feira 27. Antes de ele vir ao mundo, todos os convites de boas-vindas passaram por uma desinfecção. A casa da família está muito mais do que limpa, talvez seja possível até que os vizinhos do casal estejam sentindo o cheiro de álcool em gel e produtos de higiene. “Mesmo em casa, decidimos não receber ninguém, ninguém, ninguém mesmo”, diz Gabriela. “Quem quiser conhecer o Chico vai conhecê-lo por foto”. Nesse tempo de medo e caos na saúde, os bebês se adaptarão ao desenvolvimento humano. Assim como na casa de Gabriela, também não existe contato social nos consultórios médicos. Chico nasce em um mundo novo, um mundo em que as relações ganham um outro contorno. Até o seu sistema imunológico se desenvolver, ele contará com um único carinho: o dos pais, já que não terá contato com ninguém. Uma realidade nova, sim, mas que não abre espaço para o medo ser maior do que a alegria de gerar uma vida em meio à um inimigo invisível que, até o momento, não possui nenhum combate preventivo além da extrema higiene.