A cidade de Manaus (AM) continua a ser tomada pela fumaça nesta quarta-feira, 11, deixando a capital amazonense em estado de alerta. Com relatos desde os primeiros sinais do material resultante de queimadas no entorno, a população tem cada vez mais denunciado nas redes sociais o avanço de problemas respiratórios, como sangramento nasal, coriza, ardência nos olhos e secura na garganta.
No último dia 6 de outubro, o assistente administrativo da Secretaria Municipal de Educação, Thiago Moda, 37, esteve em uma unidade de saúde particular da capital, com sintomas como coriza, ardência nos olhos, dor de cabeça e sangramento nasal.
“A primeira vez que senti o cheiro da fumaça mais densa foi lá pelo dia 4 de setembro. Vi que a janela do meu trabalho estava ‘embranquecendo’. Até hoje, é como se estivessem queimando alguma coisa, alguma fogueira estivesse perto de ti e a fumaça vindo”, relata. Desde o primeiro contato com a fumaça, Thiago não sente as vias aéreas 100% curadas.
Nas unidades de saúde, quem vai em busca de atendimento enfrenta filas. A professora de rede estadual Nayara Brandão decidiu buscar tratamento quando também teve sangramento nasal. “O que acontece muito é tosse seca e depois secreção só na garganta. Nariz muito seco, sangrou. Medicada, inalação, mas sem melhoras. No hospital, tinha muita gente, também usando máscara e tossindo. O médico explicou que não tinha mais remédio lá”, contou.
Também no último dia 6, a professora Raissa Batista fez uma postagem nas redes sociais mostrando uso de máscara de proteção, com sintomas semelhantes. Segundo Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz/Amazônia, a máscara, ferramenta comum para evitar transmissão no período crítico da Covid-19, é recomendada, especialmente em horários de menor humidade relativa do ar ou em dias de maior intensidade da fumaça.
“Atenção particular deve ser dada a locais com maior aglomeração e com pouca renovação do ar ambiente, sobretudo os grupos de maior risco. No entanto, tal como na pandemia de Covid-19, para que as pessoas possam, de fato, se beneficiar da proteção contra a fumaça ou até mesmo de toda sorte de vírus de transmissão respiratória, como Sars-Cov-2 ou Influenza, o ideal é que sejam usados respiradores do tipo PFF2 ou N95, pois só esses equipamentos protegem ou filtram efetivamente micropartículas”, explica o especialista.
Qualidade do ar “péssima”
O aplicativo Selva (Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental), desenvolvido pelo Programa de Educação Ambiental sobre Poluição do Ar, da Universidade Estadual do Amazonas, para medir níveis do ar nos estados, registra que a qualidade do ar na atmosfera da capital avança em categoria ‘péssima’. O volume, medido em microgramas/metro cúbico, já entra no pior índice aos 160 µg/m3, segundo a metodologia do app; nesta manhã, a cidade chegou aos 425.2 µg/m3 nas proximidades do Distrito Industrial, entre as zonas leste e sul de Manaus.
Rodrigo Souza, professor da UEA e coordenador do projeto Selva/EducAir, adverte que o problema tem pioras neste período de estiagem, com ausência de chuvas e uma “cultura” de queimadas no Amazonas. Mais de 2 mil focos de queimadas foram registrados no Amazonas desde o início de outubro, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que já representa um recorde para o mês.
“É muito difícil eu dizer o que é dos carros, o que é da cidade, o que é da queimada A, da queimada B, da queimada C, da queimada D. Não dá. A poluição da cidade se sobrepõe à poluição das queimadas e vice-versa. Porém, nesse período de estiagem, o componente da contribuição pelas queimadas é muito maior do que a da cidade. As queimadas dominam, proporcionalmente falando, os níveis de poluição da cidade de Manaus”, explica o professor.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, alerta Souza, o material particulado fino – o MP2, partícula presente na fumaça das queimadas, pode ter efeitos semelhantes aos do tabaco para quem não fuma, por exemplo. “O nível de concentração de material particulado que temos na atmosfera hoje na Amazônia, conforme trabalhos da literatura científica já mostram, pode gerar uma redução da expectativa de vida da ordem de um ano.”
Ainda segundo o professor, esse material presente nas fumaças é penetrante nas vias respiratórias a ponto de chegar nos alvéolos pulmonares e entrar na circulação sanguínea. “Aí em diante, a longo prazo, pode gerar problemas cardíacos, pulmonares, entre outros, a depender da escala de tempo; no curto prazo, alérgico; no médio prazo, problemas respiratórios, e no longo prazo, cardiorespiratórios, pulmonares, e até câncer”, finaliza.
Sem dados
Diferente da Covid-19, a capital não registra ainda dados de internações ou maior busca por atendimento em unidades de saúde, segundo as secretarias municipal e estadual. Porém, Orellana avalia que há grande ‘seriedade em termos sanitários’.
“Os dados estão dispersos em diferentes sistemas de informações que não conversam entre si, sendo impossível termos uma noção real do tamanho do problema. Só é possível termos uma vaga ideia acerca dos efeitos da exposição humana a queimadas e incêndios florestais meses ou anos depois, mediante avaliação de certas causas de internações hospitalares ou de busca por atendimento médico. Os elementos tóxicos presentes na fumaça das queimadas não têm sido associados apenas com problemas respiratórios, mas também com problemas nos olhos, na pele e até mesmo neurológicos”, endossa o epidemiologista.
Em reposta para a IstoÉ, a Semsa afirma que não há recomendações específicas para os casos relatados, a não ser o uso de máscaras e hidratação oral. Não há risco epidemiológico evidente. Conforme registros de atendimentos nas unidades básicas de saúde, houve queda de 32,2% no registro de síndromes gripais de em junho, 42,8% em julho e 5,3% em agosto de 2023 em comparação com o mesmo período de 2022, embora tenha havido aumento de 4,6% em setembro deste ano em relação a setembro do ano passado.
Souza, do app Selva, ainda alerta que o período é de estiagem severa. “Quando vai passar? Ou quando as pessoas pararem de queimar, ou quando a chuva chegar. A gente tem a cultura da queimada na nossa região, então, a gente tem que mudar um paradigma. Para 2023, há projeções de que essa estiagem vá mais próximo do fim do ano. Temos chuvas, na média, começando no período de transição seco e chuvoso a partir de outubro a novembro. Mas este ano, acredita-se que isso pode esticar até dezembro”, completa o professor.