01/05/2024 - 14:31
Na metrópole amazonense, todos conhecem essas siglas de grupos criminosos. Eles dominam bairros e prisões e estão embrenhados numa luta sangrenta uns contra os outros.
O que os une é a ambição de serem cartéis de atuação internacional. Alguns já estão bem avançados nesse objetivo. O tráfico de drogas no Amazonas, em rápida ascensão, lhes oferece oportunidades de crescimento que há pouco tempo seriam impensáveis.
A região amazônica tem uma vez e meia o tamanho da Europa. Da Colômbia e do Peru, os traficantes transportam sobretudo cocaína, mas também skunk, uma variedade mais potente de maconha. Os rios da região amazônica se converteram em importantes rotas de contrabando para os portos do Atlântico. Uma boa parte dessa droga é levada para a Europa, o mercado de cocaína que mais cresce no mundo. Mas o mercado brasileiro e o dos países vizinhos também é abastecido por meio dos rios amazônicos.
Isso tem grandes implicações também para a proteção da floresta tropical: o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2023 dedica, pela primeira vez, um capítulo inteiro à relação entre a crescente presença do crime organizado e a destruição da Amazônia. A tese central é que a presença das máfias da droga funciona como um catalisador da destruição da floresta.
Isso significa que a proteção da floresta tropical na América do Sul precisa ser repensada. Faz pouco sentido ter, de um lado, autoridades como fiscalização aduaneira, Denarc, Polícia Federal e militares agindo de forma descoordenada contra a criminalidade e, do outro, autoridades locais, nacionais e internacionais e ONGs perseguindo apenas seus próprios objetivos na proteção ambiental e dos indígenas. Essa mentalidade isolacionista precisa ser superada, tanto na proteção ambiental como no combate ao crime organizado.
E isso seria do interesse de todos os envolvidos – inclusive da Alemanha, que ajuda a financiar a proteção da floresta tropical, que retém grandes quantidades de dióxido de carbono. Uma floresta tropical intacta é importante para o clima global.
Ponto de inflexão
Desde o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Berlim já disponibilizou 200 milhões de euros de ajuda imediata. Por meio do Fundo Amazônia foram mais 55 milhões de euros em 2023. Além disso, a Alemanha financia a proteção das florestas tropicais no âmbito da União Europeia (UE).
E há ainda o contrabando de cocaína para a Europa. Com os elevados ganhos do tráfico de drogas, os cartéis se tornam mais violentos também na Europa e se infiltram em instituições estatais. E é exatamente na Amazônia que se pode ver, de forma assustadora, onde isso pode levar.
O Fórum de Segurança Pública mostrou que metade dos 26 milhões de habitantes da Amazônia brasileira vive em áreas controladas pelos grupos criminosos. Na região amazônica, as quadrilhas de traficantes de drogas usam a logística ilegal existente, especialmente a dos garimpeiros: pistas de pouso para aviões, postos de gasolina móveis para suas lanchas, linhas de abastecimento de alimentos. E muitas vezes usam o trabalho de indígenas ou outros ribeirinhos, que eles ameaçam ou pagam para trabalhar para eles.
Ao mesmo tempo, os cartéis investem o dinheiro que obtêm com as drogas em atividades ilegais na região: eles financiam garimpeiros, pescadores, madeireiros e contrabandistas de animais. O crime na região amazônica explodiu. O estado do Amazonas tem uma das maiores taxas de homicídio do Brasil.
Mas as quadrilhas também investem na economia legal: em fazendas de animais e na plantação de soja, em imóveis, supermercados, postos de gasolina e salões de beleza. Eles se elegem para as câmaras municipais ou ocupam cargos no setor público, ganhando, assim, cada vez mais influência dentro do aparato estatal.
Assim, eles decidem quem recebe os contratos de recolhimento de lixo, de merenda escolar ou do transporte público – atividades com as quais podem facilmente lavar o dinheiro das drogas. Não é só em São Paulo, onde as ligações entre as empresas de ônibus e o PCC acabaram de ser expostas, que isso acontece.
O debate sobre segurança pública no Brasil parece estar passando por um ponto de inflexão. Apelos por uma reforma fundamental no sistema de segurança pública estão se tornando cada vez mais fortes. A proteção da floresta tropical se apresenta como um forte argumento adicional a favor da necessidade dessa reforma.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.