Não tive acesso à integra do processo, diz advogado de Bolsonaro em julgamento

Ex-presidente é acusado de liderar grupo que articulou trama golpista após a derrota nas eleições de 2022 e responde por cinco crimes; se condenado, Bolsonaro poderá pegar até 43 anos de prisão

Advogados Jair Bolsonaro Paulo Amador Cunha Bueno e Celso Vilardi
Paulo Amador Cunha Bueno, à frente, e Celso Villardi durante primeiro dia de julgamento do inquérito da trama golpista no STF Foto: Gustavo Moreno/STF

O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Celso Villardi, afirmou nesta quarta-feira, 3, não ter tido acesso à integra das provas colocadas no processo que investiga a trama golpista. No segundo dia de julgamento do inquérito, Villardi criticou os prazos dados para a defesa e atacou a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Planalto.

O jurista afirmou que as provas na denúncia foram escolhidas pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e que recortes foram usados para embasar as acusações contra o ex-presidente. Celso Villardi ainda disse que o acesso aos mais de 75 tb de provas completas aconteceram após a decisão da Primeira Turma em tornar os suspeitos réus no inquérito e que os curtos prazos para as audiências de instrução prejudicaram a defesa.

“Não houve paridade de armas. Nós não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram. E nós não tivemos acesso à prova durante a instrução. Eu quero dizer a vossas excelências, com 34 anos, é a primeira vez que eu venho a uma tribuna com toda a humildade para dizer o seguinte: eu não conheço a íntegra desse processo. Eu não conheço. O conjunto da prova, eu não conheço. São bilhões de documentos numa instrução de menos de 15 dias, seguida de um interrogatório”, afirmou Villardi.

Bolsonaro se tornou réu em março deste ano após a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar o ex-presidente por participação no plano golpista após a derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. As investigações da Polícia Federal começaram em agosto de 2023 e avançaram após a delação de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do Palácio do Planalto.

Para a PGR, Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse de Lula. A denúncia, oferecida em fevereiro deste ano, narra a trajetória golpista desde o período pré-eleitoral, com a disseminação de notícias falsas, até os ataques de 8 de janeiro contra os Três Poderes. 

Bolsonaro ainda é acusado de editar e aprovar uma minuta golpista, que previa a declaração de Estado de Defesa no país, a revogação das eleições de 2022, além da prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O documento também previa a formação de uma comissão provisória liderada por militares para investigar as supostas fraudes eleitorais e convocar novas eleições. 

O ex-presidente, de acordo com a PGR, apresentou o documento para os comandantes das Forças Armadas e chegou a pressioná-los para aderir ao plano golpista. O então líder da Marinha, o almirante Almir Garnier, deu aval à ideia, mas os comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, se negaram a aderir à proposta. A tese foi corroborada por Freire Gomes e Baptista Junior em depoimentos à Polícia Federal. 

Villardi ainda rebateu as acusações de que Bolsonaro tinha ciência e participou do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a morte de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e do vice-presidente Geraldo Alckmin. Para PGR, Jair Bolsonaro sabia do plano e chegou a dar aval para a operação que seria realizada no dia da diplomação do petista no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A defesa do presidente também rebateu as provas apresentadas e disse não haver indícios de participação do ex-presidente nos ataques de 8 de janeiro. Celso Villardi afirmou que a instigação aos atos antidemocráticos não podem ser considerados como prova e que Bolsonaro não respondia mais pela presidência no dia dos ataques aos Três Poderes. 

Ataque à delação de Mauro Cid

Em boa parte de sua fala, Celso Villardi ainda atacou a delação de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Para o advogado, a delação não tem validade e disse que Cid “não é um homem confiável”.

Como adiantou a ISTOÉ, essa seria uma das estratégias da defesa para tentar atenuar as acusações contra o ex-presidente. No julgamento, Villardi afirmou que houve inconsistências na delação e que Cid alterou os depoimentos em diversas oportunidades. O advogado reforçou que a maior parte das acusações contra o ex-presidente com base na colaboração do militar, que ocultou informações da Polícia Federal e do STF.

“Nas 16 vezes, ele mudou de versão diversas vezes. E isso não sou eu que estou dizendo. É, na verdade, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. No último relatório de novembro, quando disse que ele tinha inúmeras omissões e contradições. Portanto, na verdade, ele apresentou uma versão e ele alterou essa versão, disse Villardi.

O advogado ainda citou as supostas conversas entre Mauro Cid e o advogado Eduardo Kuntz, que defende Marcelo Câmara, também réu no processo. A PF investiga se Cid usou uma conta com o nome da esposa para repassar informações sobre sua delação a Kuntz. De acordo com Villardi, há provas de que Cid era o responsável pelas mensagens e que o celular estava no condomínio do militar no momento das conversas.

“Para além disso, agora, durante o seu interrogatório, eu fiz a pergunta a respeito de um perfil de Instagram falso. Onde está esse perfil do Instagram? No celular dele. Eu juntei isso no processo. No celular dele, com a senha. Não é ata, com todo respeito ao professor Bitencourt, não tem ata. O que tem é uma conversa em que ele está revelando a delação para terceiros”, disse.

“O que tem é mais uma conversa em que ele está, na verdade, questionando a sua própria voluntariedade. Ele diz que foi dirigido. Ele diz que foi induzido. Ele disse que não tinha golpe por parte do Bolsonaro, mas que a autoridade queria conduzir para isso”, concluiu o advogado.

*Em atualização