O iraniano Dara Khosrowshahi, que assumiu a liderança global do aplicativo de carona paga Uber há dois meses, não está acostumado a ser o centro das atenções. Antes de aceitar o desafio de tentar colocar o Uber nos trilhos – após escândalos que culminaram na saída do executivo Travis Kalanick, em junho -, ele liderou a plataforma online de viagens Expedia por 13 anos. “O Expedia era só mais uma empresa de capital aberto”, disse Khosrowshahi, em entrevista ao Estado, em São Paulo. “Ainda estou me acostumando com a atenção que estou recebendo.”

O executivo chegou ao Brasil às vésperas da votação, programada para esta terça-feira, 31, do projeto de lei complementar (PLC) 28/2017, que regulamenta o transporte individual de passageiros e que coloca em xeque a operação não só da empresa americana no País, mas também de concorrentes a brasileira 99 e o espanhol Cabify. O texto quer obrigar motoristas que dirigem por aplicativo a comprovarem que são donos dos automóveis usados na atividade, a usarem placas vermelhas e a obterem autorização com as prefeituras – como já ocorre com os táxis.

O Uber já chegou a afirmar, em nota, que o projeto é uma espécie de “proibição velada” e diz que o PLC 28 pode inviabilizar a atividade para seus mais de 500 mil motoristas no Brasil. Khosrowshahi vai defender hoje, em Brasília, que o projeto de lei não seja aprovado às pressas. “Essa regulação vai levar o Brasil para a realidade do transporte de dez anos atrás.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o PLC 28/2017 pode afetar os negócios do Uber no País?

Não somos contra a regulamentação. Regulamentar serviços como o Uber é totalmente apropriado. Mas essas regras devem ser pensadas olhando para o futuro, e não para o passado. O PLC 28/2017 realmente tem o potencial de restringir o trabalho dos 500 mil motoristas do Uber no Brasil. Isso vai fazer o nosso número de motoristas nas ruas cair drasticamente e vai levar o Brasil para a realidade de dez anos atrás, quando só existiam os táxis.

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Na sua opinião, como o texto do projeto de lei deveria ser?

Acho que as regras que se parecem com as adotadas para táxis devem ser retiradas. É preciso tirar a obrigação de o motorista ser dono do carro que vai dirigir. Na maior parte das vezes, os motoristas usam o carro da família. Exigir licenças também limita bastante a atividade, porque é muito burocrático.

O sr. considera parar de operar o Uber no Brasil, caso o projeto de lei seja aprovado?

Nosso principal foco agora é garantir que o projeto de lei passe da forma certa, ou seja, conseguir que alguns dos aspectos prejudiciais sejam retirados do texto. Se o projeto de lei, infelizmente, passar como está hoje, vamos ter de pensar no que vamos fazer. Eu vou a Brasília falar com os senadores, mas temos muitas pessoas fazendo esse trabalho. Achamos que a discussão aconteceu de forma muito rápida.

Qual a importância do Brasil para o Uber?

O Brasil é um dos cinco maiores mercados para o Uber no mundo, em termos de volume de corridas, número de motoristas e usuários. Queremos continuar investindo no Brasil, mas esse projeto de lei pode prejudicar muito o nosso negócio.

O avanço de legislações mais rígidas é reflexo da entrada agressiva do Uber no Brasil?

Eu não tenho muito tempo de empresa, mas acredito que pode ser o caso. Acredito que, no caso do PLC 28/2017, está mais ligado à pressão de grupos de taxistas e é isso o que tem acelerado a discussão. O Uber está no Brasil, temos escritórios locais, investimos e pagamos impostos. Acredito que temos sido cidadãos respeitosos e queremos continuar a ser no futuro.

Como está a relação do Uber com os governos?

Estamos tentando construir um relacionamento (com os governos). Nosso objetivo é tornar o transporte disponível e barato em todos os lugares e isso é algo que todas as cidades também querem. Temos investido em pessoas para trabalhar com os governos, mas eu quero, pessoalmente, estar em contato com eles. Assim posso ter certeza de que, do ponto de vista estratégico, estaremos alinhados com a trajetória das cidades.

O sr. foi recentemente a Londres, cidade que não renovou a licença do Uber para operar. Há possibilidade de solução?


Estou otimista. Tivemos um diálogo muito construtivo e acho que teremos como resolver as preocupações deles, o que vai permitir que o Uber continue a fazer parte do sistema de transporte de Londres no futuro. Mas ainda há muito trabalho a fazer.

Há potencial para que o Uber seja banido em outras cidades?

Acredito que há certamente potencial para que isso aconteça. Toda vez que uma nova tecnologia disruptiva surge e muda a dinâmica de setores estabelecidos, como a indústria dos táxis, existirá resistência. No passado,fomos um pouquinho agressivos, mas temos de entender que não trata-se apenas do que nós queremos e firmar compromissos que funcione para nós e para os países. É o caso do Brasil: há formas de a regulamentação funcionar tanto para o Uber como para o governo.

Um dos principais problemas do Uber no Brasil é a falta de segurança ao usar apps de transporte. Como resolver isso?

É um grande problema e estamos levando isso muito a sério. Nossas equipes no Brasil e no México, assim como em outros países da América Latina, trouxeram essa questão e, por isso, definimos que segurança será nossa prioridade número um em 2018. Acredito que podemos usar nossas ferramentas de análise de dados e toda a inovação que criamos para transformar o Uber na plataforma de transporte mais segura do mundo. Ainda estamos definindo como vamos fazer isso na prática.

Como está a preparação da empresa para a oferta inicial de ações (IPO)? Há uma data?

Nosso objetivo é fazer a oferta inicial de ações até 2019. Parte disso inclui a contratação de um time de gestão experiente, de um diretor financeiro com experiência em empresas de capital aberto. Além disso, há uma série de ajustes internos. O Uber foi construído até agora para crescer rapidamente, mas temos de colocar em prática controles financeiros e operacionais para abrir capital. Todo esse trabalho já está em andamento e estou confiante que, em 2019, estaremos preparados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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