Na sala que lhe foi reservada no Centro Cultural Banco do Brasil, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, recebeu ISTOÉ sem gravata e com as mangas das camisas arregaçadas, permitindo que se visse parte das tatuagens que ele tem desenhadas em ambos os braços. Não foi possível decifrá-las, no entanto. À frente do ministro, gaúcho, a cuia de chimarrão. O deputado federal licenciado (ele estaria entrando em seu sétimo mandato) sofreu, nas últimas semanas, desgastes por conta da denúncia de que recebeu recursos não declarados de Joesley Batista, o mesmo que, com sua delação, abalou os alicerces políticos do presidente Michel Temer e do senador Aécio Neves (PSDB). Muitos avaliam que, depois disso, as funções que ele teria como ministro foram diminuídas. Para Onyx, 64 anos, tudo não passou do jogo de especulações que envolve a transição para um novo governo. Ele considera o episódio superado. Tem certeza de que não houve diminuição das suas atribuições e que está afinado com Bolsonaro, de quem se diz amigo há mais de 15 anos. “Sou um instrumento de Deus”, afirma Onyx.

Duas questões foram muito exploradas nas últimas semanas. A das doações que o senhor recebeu da JBS e a das movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, motorista do deputado Flávio Bolsonaro. O que tem a dizer sobre elas?

A questão das doações, para mim, é algo completamente resolvido. Foi um erro na declaração da prestação de contas. Eu continuo defendendo o combate à corrupção. Primeiro, não foram duas vezes, como foi dito. Em 2012, quando se fala da outra doação, eu nem era candidato. Isso foi uma matéria requentada. Trouxeram isso agora. Foi uma doação, e meu erro foi não ter feito a declaração. Quem fez a delação já declarou que não houve da minha parte qualquer contrapartida para a doação. Foi um erro. Eu fui o único que reconheceu não ter feito a declaração. Estou à disposição da Justiça. Tenho todas as condições de fazer qualquer esclarecimento que se queira sobre esse assunto, junto à Procuradoria Geral da República ou ao Supremo, não sei qual é a instância que vai julgar isso.

E a questão do Fabrício Queiroz?

Isso não é comigo.

Sim, mas envolve a família do presidente, como o deputado e senador eleito Flávio Bolsonaro…

Não tenho maiores informações a respeito desse caso. Quando eu cobrei onde estava o Coaf [órgão que identificou as movimentações financeiras de Queiroz] no mensalão e no petrolão, o que eu quis dizer é que nos dois casos ele só agiu depois. Não preventivamente. Daí a cobrança. Em 2005, na CPI que investigou o mensalão, nós propusemos que o Coaf fosse transformado numa Agência de Administração Financeira. O México fez isso e deu certo, porque aumentou a capacidade de fazer prevenção. Aqui, a PF e o MP pedem e o Coaf só vai atrás depois. Fui o maior defensor de que o Coaf agisse preventivamente. Agora, defendo também a ideia de levar o Coaf para o Ministério da Justiça para um trabalho conjunto no combate à corrupção e à criminalidade. Não há nada a esconder. Tenho confiança de que esse caso vai ser esclarecido.

O que o brasileiro deve esperar do governo Bolsonaro?

Quando a gente lançou o plano de governo, em julho, fomos criticados porque se disse que era um plano simples. Não tinha nenhum projeto empacotado por marqueteiro, mas era muito sólido no que diz respeito aos seus conceitos. Um governo constitucional. Com tudo feito na lei, na segurança jurídica para o investidor, para o cidadão. Um governo fiscalmente responsável. Nós vamos lutar para equilibrar a questão fiscal no país, que é um dos grandes obstáculos para o nosso desenvolvimento. E será, por fim, um governo fraterno. Haverá um olhar muito atencioso para quem tem menores condições na nossa sociedade.

As minorias serão ouvidas?

Talvez a escolha da ministra Damares Alves para o Ministério da Cidadania seja por si uma resposta para isso. Ela é uma pessoa que tem um olhar voltado para aqueles que nunca ninguém enxergou. Um olhar novo, diferente. Mas um olhar para todos, como ela mesma já reafirmou. E ela traz um conceito que para mim é muito claro: diante da autoridade pública, a verdade estará com o cidadão.

O que quer dizer isso?

No Brasil, o cidadão, quando chega diante de uma autoridade governamental, em qualquer nível de governo, tem de vir munido de uma série de comprovantes, carimbos, fotocópias, autorização disso, daquilo. E, aí, a autoridade leva um ano, dois, dez para dar uma resposta. Na sociedade americana, quando o cidadão declara algo diante da autoridade, a princípio isso é verdade e o Estado é que tem que provar o contrário. Mudar isso ajudará a simplificar a vida das pessoas.

De que maneira isso muda a vida das pessoas?

Estou me referindo à redução drástica do tamanho do Estado e da sua interferência na vida das pessoas. Redução dos níveis hierárquicos. Enxugamento. Retirada dos privilégios. Maior eficiência. Desburocratização. Não são apenas os marcos legais, mas a regulamentação deles, uma parafernália legal que se dá por meio de instruções normativas, portarias ministeriais, decretos e resoluções. Estamos fazendo um trabalho de verificação para simplificar essas coisas. Queremos retirar todo esse entulho que atrapalha a vida do brasileiro.

Esse será o primeiro ponto a ser atacado?

Tudo começa pelo trabalho de desburocratização. Estamos preparando decretos que vão retirar todo esse entulho para apresentar logo nos primeiros dias. Em seguida, ou ao mesmo tempo, daremos alta prioridade às medidas que dizem respeito à segurança pública. Isso inclui dar segurança jurídica aos policiais que estejam em ação, ou aos soldados do Exército que se encontram em uma investidura provisória, em área de intervenção.

O senhor se refere ao chamado excludente de ilicitude, que protegeria o policial ou soldado em ação?

O presidente Bolsonaro sempre defendeu essa necessidade. Um projeto nesse sentido será apresentado logo no início, junto com outras medidas que o ministro Sérgio Moro está preparando para apresentar, que ainda não posso detalhar.

O novo Congresso terá mais facilidade para a aprovação de temas como a redução da maioridade penal e a posse de armas, porém menos facilidade para temas econômicos, como a reforma da Previdência?

O presidente está sendo muito cuidadoso na construção dessa relação com o novo Congresso. Ele e o novo Congresso foram eleitos para acabar com o toma-lá-dá-cá, que foi a forma que sustentou esse presidencialismo de coalizão nos últimos 30 anos. Foi uma tragédia que acabou provocando essa desconexão completa entre a representação política e a sociedade. Uma desconexão que produziu situações absurdas, como no caso do pacote de dez medidas contra a corrupção. O Congresso não pode receber um projeto com 2,5 milhões de assinaturas e simplesmente ignorá-lo. Isso é quase uma insanidade.

E as outras reformas?

Elas são mais complexas e nós vamos tentar aprová-las o mais rápido possível. Especialmente a da Previdência. Nós vamos apresentar uma proposta muito sólida. E que olhe para o presente e possa dar condições para a manutenção de um modelo para o futuro. Quando a gente olha para a reforma da Previdência, há uma falha geracional. A nossa geração fingiu que não via a necessidade de modificar o modelo. A nossa previdência hoje é um transatlântico com o casco furado. Em algum momento, vai afundar. É justo que a gente convide nossos filhos a entrar num barco que vai afundar? O trabalho do novo governo é corrigir esse furo no casco para que o barco continue navegando. Diminuir a condição de impacto nas contas públicas. E criar um novo modelo.

Como seria esse novo modelo?

Temos que partir para um modelo de capitalização. Botar os nossos filhos e nossos netos num barco novo. Ao mesmo tempo, arrumar o barco antigo. A equipe do ministro Paulo Guedes trabalha para verificar como será a transição do atual modelo de repartição para esse novo modelo de capitalização. E, ao mesmo tempo, a gente usa essa reforma da Previdência para fazer uma coisa muito importante para o País, que é a capitalização. O Brasil precisa melhorar a sua poupança interna, que hoje é de cerca de 15% do PIB. Esso não é suficiente para sustentar nosso desenvolvimento, daí a dependência que o Brasil tem de capital externo. Os especialistas dizem que se a gente chegar perto de 20% do PIB, a gente consegue sustentar um crescimento de 3% ao ano.

É mesmo possível acabar com o toma-lá-dá-cá?

Acho que boa parte dos parlamentares já entendeu que não dá para isso ser mantido. O recado foi muito duro. Uma renovação como essa não se via há mais de vinte anos. Foi montada uma legislação que impedia a renovação. Mas a população, através das redes sociais, fez nascer, nos movimentos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, o que eu chamo de nova cidadania. Sem filiação partidária, move-se por causas, mas com uma força impressionante.

Havia uma expectativa inicial de que o senhor, junto com Sergio Moro e Paulo Guedes, seriam os superministros do novo governo. Mas ao longo da transição avalia-se que a Casa Civil foi esvaziada.

Primeiro, eu sou um auxiliar do presidente Bolsonaro. E vou atuar onde e da forma que ele determinar. Eu tenho muita fé, eu me sinto um instrumento de Deus. Como eu acho que ele também é. Estamos aqui por obra Dele. A Casa Civil permanece com as mesmas atribuições que teve na maioria dos últimos governos. Segue com as atribuições de monitoramento do governo. E voltou a ter a tarefa de articulação política, ao contrário do que se diz. A Casa Civil não foi esvaziada. Na transição houve muita expectativa de poder, muita especulação. A Casa Civil está com suas funções preservadas.

O senhor falou da importância das redes sociais nesse novo modelo de política, mas vimos nos últimos dias as discussões no PSL que vazaram pelas redes sociais. Preocupa esse excesso de exposição?

Nas redes sociais, as pessoas se expõem demais. Tudo ali é meio radicalizado. Eu gosto daquela frase da minha terra que diz que no caminho as morangas se acomodam na carreta. Agora que o time já foi montado, passou a fase de expectativa, o parlamento toma posse em fevereiro, as coisas tendem a se acomodar. Se eu pudesse dar um conselho a quem está começando, eu lembraria que mandato parlamentar é uma maratona. Nâo é uma corrida de 100 metros. Tem que ir dosando as coisas. Quem sai com muita afoiteza perde o fôlego lá na frente.