Quando se lembrarem de 2020 no futuro, o que vai ficar é uma névoa de tristeza, marcada pela orfandade de muitos e pelo convívio cotidiano com a morte. Esse é e será o estigma da década, que permanecerá na memória também pela irresponsabilidade dos mais jovens, em geral imunes à doença. Se alguém pensava em tempos de glória, o que se vê na humanidade, hoje, é submissão ao inimigo e uma velada disputa geracional, simbolizada nas aglomerações e nas festas juvenis, que podem levar a uma cadeia de contágio mortífera. Não há qualquer sentido épico nessa derrota para o coronavírus. Ela é de todos. A vacina chegou e, sim, a ciência vencerá, mas a condição geral da população é de incerteza, arrogância e prepotência ou ansiedade. E sobre isso os efeitos da ciência são mais limitados. Sem contar que o ponto de vista brasileiro da pandemia é o pior do mundo: vem com o filtro de Jair Bolsonaro, capaz de tornar mais grave o já trágico e amplificar a carga virótica na sociedade.

Quem compõe a infantaria do exército de inocentes mortos pela pandemia são os mais velhos e não os jovens, como numa guerra convencional. Três em cada quatro mortos pela Covid-19 tem mais de 60 anos. A época está sendo marcada por uma mudança profunda de gerações, com uma diminuição da natalidade, associada ao medo da doença, e um crescimento astronômico da mortalidade, principalmente entre idosos. No ano passado, de acordo com dados preliminares, houve uma queda de 7,5% nos registros de nascimentos no Brasil e um aumento de 25% nos óbitos. Em 2020, haverá certamente uma diminuição na expectativa de vida, que, em 2019, era, em média, de 75,4 anos. Desde 1960, essa expectativa só crescia. Há claros sinais de que os netos precisam agir com mais responsabilidade com seus avós.

Vivemos num período triste e desolador cujas feridas ainda demorarão muito para ser cicatrizadas

Conseguir se salvar nesse pandemônio não é um mérito ou uma glória, e, em 90% dos casos, está diretamente ligado à faixa etária, em particular no Brasil, onde se instalou, por causa do completo descaso do governo, uma espécie de “darwinismo social” em que os mais fortes — nesse caso, evidentemente, os mais novos — sobreviverão nem que seja sob a fantasia da cloroquina e de feijões milagrosos. Para a população mais vulnerável veio a vacina, mas a discussão moral permanece. Os jovens têm direito de ser tão irresponsáveis com a saúde de seus velhos? Deveriam fazer festas? Vivemos num período triste e desolador cujas feridas ainda demorarão muito para ser cicatrizadas.