Dono da voz de comando sobre a bancada evangélica no Congresso, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) está na linha de frente da propaganda pela reeleição de Jair Bolsonaro e afirma ter convicção de que os religiosos “farão campanha grátis” para o presidente. Pupilo de Silas Malafaia, o parlamentar não titubeia em referendar os ataques de Bolsonaro ao Supremo, o qual, em sua percepção, se porta ideologicamente, nem em reproduzir declarações que levantam suspeitas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral. O deputado de segundo mandato, no entanto, rechaça a hipótese de um golpe de Estado, caso Bolsonaro seja derrotado na disputa presidencial, e classifica a possibilidade como um “mimimi” levantado pela esquerda, muito embora a suspeita seja compartilhada até entre ministros de cortes superiores. “Essa palavra só vai na cabeça de quem gosta de nos medir com sua régua”, diz. Militante petista durante a adolescência e “desconvertido” aos 18 anos, Sóstenes demonstra decepção com Lula. Acredita que o ex-presidente traiu os cristãos e avalia que a esquerda “nunca mais” conquistará os evangélicos de forma majoritária. Apesar de crítico ferrenho da “corrupção endêmica do governo PT”, o deputado não vê problemas em marchar ao lado de Valdemar Costa Neto, manda-chuva do PL. “A gente acredita que quem paga a pena merece uma segunda chance”, completa, nesta entrevista à ISTOÉ.

Na semana passada, Bolsonaro voltou a atacar o TSE e anunciou que o PL vai contratar uma auditoria privada para as eleições. Usar o partido para contestar o sistema de contagem de votos enfraquece a democracia?
O presidente questionou o sistema de totalização de votos porque houve um grupo convidado pelo (ministro Luís Roberto) Barroso para acompanhar e estudar o sistema eleitoral, o qual identificou algumas coisas que poderiam ter mais transparência e segurança na apuração dos votos. Bolsonaro destacou coisas fundamentais. Uma delas é o desejo de ter a mesma conexão que transfere os dados dos estados para uma sala chamada secreta — o nome já nem combina com democracia. Ele queria ter o mesmo acesso à informação em uma sala paralela, junto com as pessoas das Forças Armadas. Entendo que está no direito dele. Até porque houve um convite. As Forças Armadas não se ofereceram. Não acredito que isso enfraqueça em nada a democracia. Todo debate que é para aprimorar e dar transparência ao pleito deve ser muito bem-vindo.

A oposição já diz que Bolsonaro pode tentar um golpe, caso seja derrotado. O senhor crê nessa possibilidade?
Primeiro que não creio que ele perca a eleição. Segundo que acho que isso é choradeira da oposição. É típico deles. O famoso mimimi da esquerda.

O senhor rechaça, então, a possibilidade de golpe?
Golpe? Jamais. Não há espaço no Brasil para isso. Não existe a menor possibilidade. Essa palavra só vai na cabeça de quem gosta de nos medir com sua régua. Não acredito que isso, em nenhum momento, seja cogitado, nem tem chance de que isso ocorra mais no Brasil. Somos um País que defende e defenderá sempre a democracia, dentro de um processo eleitoral com a maior transparência possível e segurança para todos. É só isso. Defender isso (transparência) não quer dizer defender golpe. Golpe não combina com a história brasileira. Da redemocratização para frente… Esquece, isso não vai acontecer mais. Democracia sempre.

Qual seria a posição da bancada evangélica em uma eventual contestação do resultado das eleições?
Não posso falar pela bancada sem consultá-la. Mas, primeiro, não houve contestação. Não houve nem eleição ainda. A gente só pode responder quando os fatos acontecem.

Por que os evangélicos escolheram Bolsonaro para as eleições de 2022 e não um nome da terceira via?
É o único candidato conservador. Nenhum da terceira via que se apresentou até agora é conservador. São liberais, de centro-direita, social-democratas. Não me agradam. Se houvesse uma alternativa tão conservadora quanto Bolsonaro ou mais, eu poderia pensar.

Em caso de reeleição, existe a perspectiva de indicação de um novo evangélico ao STF?
Não. Olha só, o trauma da nomeação do ministro André Mendonça foi tamanho porque, na minha avaliação, houve contra ele um preconceito religioso. Parece que, para ser ministro do STF, pode ser de qualquer religião ou ateu, menos evangélico. Para mim, isso (ser evangélico) não é condicional para Bolsonaro indicar. Gostaria que fizesse as duas próximas indicações de ministros conservadores, independente de ser evangélico, católico ou ateu.

Por que o senhor considera que há a necessidade de mais dois ministros conservadores?
Eles iriam equilibrar o jogo no STF em relação às questões ideológicas. Lamentavelmente, parte do STF decidiu fazer da corte não uma corte técnica, mas ideológica e política. Isso é ruim para a democracia.

O que lhe faz crer que o STF atua de maneira ideológica?
O STF tem demonstrado isso todas as vezes em que usurpa a competência dos outros poderes. Quando a esquerda perde qualquer debate na política, quando perde no voto no parlamento, ajuíza ações na corte para fazer prevalecer seus conceitos ideológicos. Eles discutem no STF porque sabem que lá têm os seus indicados, de governos anteriores. E esses indicados usurpam poderes do Legislativo, do Executivo, e decidem na caneta. Isso, para mim, é usar do STF para fazer política ideológica. É esse o grande mal do Brasil hoje. E o STF ainda não fez uma autocrítica.

No contexto da última crise com o STF, o Centrão chegou a avisar a ministros que, em um aceno, Daniel Silveira não permaneceria na CCJ da Câmara. Mas o PTB não retirou a indicação. Bolsonaristas estão esticando a corda?
Ao que me consta, à luz da Constituição, o parlamento é um poder independente. Não acho que a Câmara tenha que avisar nada ao STF. Isso é uma questão interna corporis, que diz respeito à Câmara. Daniel Silveira é meio deputado ou deputado? Se é deputado, ele tem todas as suas prerrogativas constitucionais para exercer o mandato.

Apesar de conservador, Bolsonaro pouco avançou na pauta de costumes e o senhor já chegou a dizer que o governo estava “ideologicamente minado”. O que travou a agenda?
A pandemia travou a pauta de costumes, porque o andamento depende do Legislativo. Lógico que, com o trabalho remoto, a articulação fica prejudicada. Falei que o governo estava ideologicamente minado no dia da votação específica da legalização dos jogos de azar na Câmara. A gente sabe que tem três ministros — Paulo Guedes, Ciro Nogueira e Gilson Machado (deixou o Ministério do Turismo para disputar a eleição) — que defendem essa pauta escancaradamente, ainda que o presidente seja contrário.

Na semana passada, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, afirmou que o Planalto considera usar o dinheiro da legalização de jogos para bancar o aumento dos enfermeiros. O senhor não vê um jogo duplo de Bolsonaro?
Ele está falando coisas sem combinar com Bolsonaro.Tenho convicção de que o presidente vetaria esse projeto. Bolsonaro tem algumas virtudes na vida. Entre elas, ter palavra. Ele deu palavra pública mais de uma vez de que, se for aprovado pelo Senado, ele veta.

Depois disso, o senhor chegou a falar com os ministros?
Não. Eu não converso com quem tem posição contrária. Apenas respeito. Eles acreditam que isso é bom para o Brasil. Eu tenho certeza que é uma desgraça para o País. Cada um faz seu trabalho. Só estranho como alguém que é nomeado pelo presidente defende algo que o presidente não defende. Eu me sentiria incomodado no lugar deles, mas, se não se sentem, é um problema pessoal deles.

O senhor fala em combate à corrupção, mas o governo Bolsonaro fez o “orçamento secreto”, permitindo novos escândalos.
Vocês, da imprensa, que denominam o orçamento secreto. Esse Orçamento era uma rubrica na LDO que, em governos anteriores, ficava sob a responsabilidade da Casa Civil. O que aconteceu desta vez é que esta rubrica, que não é secreta, veio para o relator do Orçamento, que, em um ano, é indicado pela Câmara e, no outro, pelo Senado. Eu não vejo problema. É só discutir. Se não gostaram que o parlamento decida sobre essa parte do orçamento, é só voltar para a Casa Civil, como era antes. Não houve mudança nenhuma. Só trocou de mãos.

O PL, partido do senhor e de Bolsonaro, é liderado por Valdemar Costa Neto, um dos principais personagens do Mensalão, e foi protagonista de outros casos. O que difere o partido do PT?
O Valdemar Costa Neto pagou a pena dele de tempo de prisão. O Lula saiu por uma manobra no STF. Essa é a diferença. A gente acredita que quem paga a pena merece uma segunda chance e a restauração e esse é o caso do Valdemar Costa Neto. Lula não. Ele fez uma chicana no STF, não cumpriu sua pena e lidera um processo eleitoral. Tem uma diferença muito grande entre os dois.

O que acha de o presidente das Assembleias de Deus no Brasil, pastor José Wellington Bezerra da Costa Júnior, ter proibido a entrada de Lula em suas igrejas?
Isso tudo se deve a um processo que o PT abriu contra Wellington e contra mim. Fomos processados porque recebemos o presidente da República na nossa convenção de pastores em Cuiabá. Ele decidiu contratar um advogado de causas milionárias, o Cristiano Zanin. Ora, se o partido do candidato Lula nos processa, ele não deve ser bem-vindo em nenhuma de nossas igrejas. Aliás, acho que Lula nem deveria tentar chegar perto.

Acredita que Lula ainda tem espaço para reconstruir pontes com parte dos evangélicos?
O Lula não tem como desfazer tudo que o PT fez ao longo do seu governo. Então, como eles lutaram e afrontaram todos os valores cristãos quando no Executivo, eu não vejo caminho de volta. Temos de 5% a 10% de evangélicos que têm simpatia pela esquerda ou filiação partidária. Esses vão caminhar com Lula. O resto, os 90%, impossível ter retorno para mim. Eu não vejo nunca mais a esquerda voltando a conquistar o segmento evangélico de forma majoritária.

O União Brasil lançará Luciano Bivar à presidência. Como o senhor encara a candidatura?
Não consigo acreditar que Bivar será candidato ao Planalto. É uma figura inexpressiva politicamente. Ele está fazendo um jogo em nome do partido. Todos nós sabemos que o que ele quer é manter uma boa bancada de deputados federais. Está fazendo isso para matar de vez a candidatura de Sergio Moro. Acho que o União Brasil deve liberar os diretórios em todos os estados para cada um fazer o que bem quiser e bem entender. No partido, minha convicção é de que a maioria não quer o Lula.