Cautela e equilíbrio sempre foram as características do então vereador Ricardo Nunes em seus oito anos na Câmara Municipal. Afável e cordato, dava-se bem com todo mundo apesar das opiniões controversas. Manteve o comportamento quando assumiu a Prefeitura de São Paulo em 2021 com a morte de Bruno Covas (PSDB). Ele atribui esse comportamento à boa colocação nas pesquisas de intenção de voto para o pleito ao qual concorrerá à reeleição. E é com cautela que programa os seus passos durante a pré-campanha diante da pressão para escolher o seu candidato a vice, equilibrando-se entre as sugestões dos vários partidos que o apoiam e da força de Jair Bolsonaro, para quem só tem elogios, como forma de emplacar o apoio do ex-presidente à sua candidatura. “Bolsonaro é o líder do maior partido na Câmara e sua opinião tem peso muito grande”, diz Nunes. A quatro meses da eleição, ele ganha tempo para definir quem será seu vice e corre para dar visibilidade aos feitos de sua gestão, valorizando o seu partido, o MDB, diante das críticas de pertencer à base do governo Lula e, ao mesmo tempo, ser adversário do presidente na maior cidade do País.

Quando o senhor foi convidado para ser o vice de Bruno Covas em 2020, o processo foi mais tranquilo. Agora, o senhor tem dito que prefere esperar um pouco mais. Qual é a razão de não ter definido ainda o seu vice?
A escolha segue um rito normal. O Bruno Covas me escolheu para ser seu vice no dia da convenção do MDB. Todas as decisões de formação de chapa ocorreram nesse período próximo às convenções. É o ritmo normal. O que tem de diferente neste ano é que o presidente Lula se antecipou e decidiu que a vice na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) será Marta Suplicy, que era minha secretária de Relações Internacionais na prefeitura. Ela saiu e se filiou ao PT. Esse movimento ocorreu muito cedo e desencadeou o interesse da sociedade e da Imprensa pelas candidaturas à Prefeitura de São Paulo. Minha pré-candidatura tem uma frente ampla, muitos partidos. Preciso ter um nome de consenso.

Existe a chance de o ex-presidente Jair Bolsonaro indicar o candidato a vice na sua chapa?
Essa é uma possibilidade. Faz parte do jogo político. É um processo normal. O ex-presidente Bolsonaro tem falado da questão do coronel Ricardo de Mello Araújo (ex-coronel da Rota) por conta do trabalho que ele fez na presidência da Ceagesp, onde teve sucesso no combate à corrupção. Por isso, Bolsonaro entende que é um bom nome. Ele também tem a simpatia do governador Tarcísio de Freitas. Há outros bons nomes, como o da vereadora Sonaira Fernandes (PL), da delegada Raquel Gallinati, da vereadora Ruth Costa (PL). E tem o Progressistas, que sugeriu os nomes do delegado Olim e do coronel Telhada. A opinião de Bolsonaro é importante porque ele é do PL, o partido que tem a maior bancada na Câmara. É o maior nome do partido, que teve quase 60 milhões de votos em 2022. A escolha será feia de forma consensual e criteriosa. O perfil do coronel Mello é interessante, agrega um apoio de eleitores que olham a Polícia Militar com simpatia. Há uma situação nova que é a possível entrada na disputa do influencer Pablo Marçal, que vai demandar uma análise sobre o cenário.

O senhor declarou não ver problemas em pedir votos aos partidos de direita desde que prezem pela democracia. Ao mesmo tempo, o senhor diz que aceita o apoio de ex-presidente Bolsonaro, que é acusado de promover um golpe de Estado. Não é uma contradição?
Não há contradição em pedir apoio a Bolsonaro. Ele foi acusado de importunar uma baleia, de ter roubado móveis do Palácio do Planalto, que depois foram achados por lá. Acabou sendo “absolvido” no caso da embaixada da Hungria, quando disseram que ele ia fugir do Brasil e pedir asilo político. Vivemos em um Estado Democrático de Direito e temos de ter cautela com qualquer tipo de acusação. Tem gente que adora dizer que preza pela democracia, mas adota posturas autoritárias e gosta de acusar e condenar sem provas. Como é que você vai incriminar alguém que ainda não é condenado?

Seu partido, o MDB, tem três ministérios no governo Lula. Faz parte da base do presidente Lula, e, em São Paulo, o partido é adversário do presidente, que apoia Boulos. Como o senhor encara essa contradição?
Não creio que isso seja um empecilho. Faz parte da democracia brasileira. Temos de separar as coisas. Isso faz parte da democracia de coalizão. O relacionamento administrativo faz com que eu tenha de tratar direto com ministros do governo federal e isso ocorre de forma pacífica. Um exemplo é a implantação das faixas azuis para as motocicletas, que depende de uma autorização federal. Estou em contato constante com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) sobre o funcionamento dos institutos federais de educação na cidade. Não vejo problema em ser adversário local e ter relacionamento administrativo normal à nível federal. Também considero natural o apoio de Lula ao Boulos. Só ficou ruim quando o presidente veio aqui no 1º de Maio e pediu votos para o candidato apoiado por ele, em evento bancado com dinheiro público e fora das regras eleitorais.

“Não há contradição em pedir apoio a Bolsonaro”, diz prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes
“Lula atropelou o processo ao definir Marta Suplicy como vice de Boulos antes da hora” (Crédito:Ricardo Stuckert )

O MDB é um partido multifacetado. A qual MDB o senhor pertence?
Sou um dos poucos políticos que tem uma filiação partidária que coincide com a data da emissão do seu título de eleitor. É meu único partido. Tive dois mandatos de vereador pelo MDB, que é uma legenda muito forte. O eleitorado tem um comportamento diferente nas eleições locais. É um partido no Nordeste, outro no Sudeste e outro no Sul. Acho que faz parte da democracia. Sou um defensor intransigente da democracia. Na última eleição para presidente, o meu partido optou por lançar a senadora Simone Tebet, com meu apoio. O melhor resultado dela em todo o País aconteceu aqui em São Paulo. Fez 4% no geral e em São Paulo fez quase 9%. Qual foi a posição do meu partido? Liberou o apoio no segundo turno e parte da sigla apoiou Lula. É um movimento natural dentro da política brasileira.

O senhor tem apoio do vereador Milton Leite (União Brasil), que foi presidente da Câmara Municipal por várias vezes. Agora, ele enfrenta acusações de envolvimento com o crime organizado. Isso pode contaminar a sua campanha?
Não. Leite colocou à disposição das investigações os seus dados bancários e fiscais. Não me parece alguém que tenta esconder alguma coisa. Ele tem dito que não tem nenhum envolvimento com o crime organizado e creio nisso. Seja como for, cada um tem de responder por seus atos.

O cenário político na cidade é um pouco diferente daquele de 2020 quando o senhor foi vice de Bruno Covas. Hoje, o perfil é mais conservador na Câmara dos Vereadores e, sobretudo, do eleitorado. Acredita que herdará parte considerável dos votos dos eleitores mais conservadores?
Hoje, tenho 61% de aprovação. Não me lembro de outro prefeito neste momento do ano eleitoral que tivesse tal índice. Apareço em primeiro lugar em alguns recortes na pesquisa Datafolha, à frente de Boulos. Estou numa situação melhor do que qualquer outro que se elegeu prefeito nesta mesma época. Por conta disso, creio que a tendência é de crescimento do meu desempenho quando a campanha começar.

A pré-candidata Tabata Amaral (PSB), em entrevista para a ISTOÉ, disse ser uma mentira qualquer proposta de implantação de tarifa zero para o transporte público em São Paulo. Considera essa proposta viável?
Já existe a tarifa zero aos domingos. Até agora, mais de 7,7 milhões de usuários foram beneficiados por esse projeto desde dezembro e 2023. Já é uma realidade. Estamos no quarto ano consecutivo sem aumento da tarifa de ônibus e as contas da cidade estão em dia. É uma pena que ela fale sem conhecimento, querendo confundir as pessoas. Não sei se é por maldade. Essa possibilidade faz parte de um projeto maior de incentivar o uso do transporte público e de desestimular a circulação de veículos particulares. Estamos avaliando a ampliação da tarifa zero em toda a cidade. A utilização do transporte público aos domingos em São Paulo aumentou 30%. A deputada está equivocada.

O senhor decretou a intervenção em duas empresas de ônibus que estão sendo investigadas pelo Ministério Público por conta do envolvimento com o crime organizado. Como é possível impedir a infiltração de organizações criminosas no serviço de concessões públicas?
A prerrogativa para investigar é da polícia e do Ministério Público. Internamente, eu pedi investigações sobre os casos no transporte para a Procuradoria Geral do Município e para a Controladoria Geral. Quando as investigações atingiram uma fase aguda, determinei a intervenção com funcionários de carreira da SPTrans. Não temos como entrar na esfera criminal. Quando as empresas entram nas licitações e apresentam a documentação em ordem, passando pelo crivo de vários órgãos da prefeitura, não temos como detectar processos criminosos. Isso é uma atribuição dos órgãos de segurança pública. A fiscalização do serviço é feita de forma eficiente, e a o Poder Público fez a intervenção quando o processo criminoso foi identificado.

“Não há contradição em pedir apoio a Bolsonaro”, diz prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes
“Bolsonaro está sendo incriminado sem que seja condenado ou que tenham surgido provas contra ele” (Crédito: Buda Mendes )

Desde o ano 2000 vários projetos de revitalização da região central de São Paulo foram implantados, mas nunca foram concluídos. Por que é difícil recuperar o centro da cidade?
O processo precisa ser contínuo e eu tomei diversas medidas em minha gestão, como a recuperação de calçadões em 23 pontos. Está incluído no programa um investimento de R$ 63 milhões. Vamos fazer agora a licitação para a recuperação do quadrilátero da área da Praça da República e também a reformar o Viaduto Santa Ifigênia. Há uma série de investimentos programados para que consigamos atrair pelo menos 200 mil moradores para área central. Já vieram 30 mil. A ideia do governo estadual é transferir a sua sede administrativa para o bairro de Campos Elíseos, e esse é outro fator que vai impulsionar a recuperação do centro da cidade.

A cidade tem um plano de emergência para evitar tragédias como a que atingiu o Rio Grande do Sul?
Tudo o que foi investido neste século pelos outros prefeitos no combate às enchentes não chega perto dos R$ 7,6 bilhões da minha gestão. As obras de canalização de córregos e macrodrenagem reduziram drasticamente esses riscos. Ainda falta muito por fazer, mas a cidade de São Paulo é exemplo no combate e prevenção a situações causadas pelas mudanças climáticas.