Mesmo sob frio, o morador de rua Claudemir Cassiano, de 41 anos, não aceita abrigo nenhum. “Sou livre. Não gosto de ter hora para entrar e sair, hora para comer, hora para tudo”, disse ele, em uma rua na Vila Leopoldina, zona oeste da capital. “Gosto de fazer minhas regras.”

Não que seja imune: dentro do barraco montado por Cassiano há cinco cobertores e travesseiros, todos recebidos em doações. “A gente tem de ir juntando porque os ‘rapa’ (guardas-civis e funcionários das subprefeituras), quando passam, levam tudo, até coberta e colchão.”

É esta vida, das avenidas e dos becos, que o homem leva desde que se viciou no crack, há 14 anos. Tudo começou em um samba com os amigos. “Todo mundo estava usando cocaína e eu quis experimentar também.” Logo foi para outras drogas e usou a primeira pedra. Abandonou mulher e filhos para, segundo diz ele, não dar mau exemplo. Dia desses, encontrou a mais nova, de 17 anos, durante as andanças pela zona oeste. “Eu sou maloqueiro, minha filha. Sou mesmo. Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”, disse.

O conflito com o crack também fez a moradora de rua Ana Paula dos Reis, de 31 anos, grávida de 2 meses, preferir o chão frio à cama de qualquer refúgio. “Não gosto de albergue. Eu me sinto mais em casa na rua. Já conheço as pessoas e posso usar (droga) à vontade.”

Ana Paula namorou um traficante aos “20 e tantos anos” e ele a sustentava, junto com os cinco filhos que tinham. Quando o homem morreu, ficou desesperada. Foi aí que apelou para a prostituição. “Não podia deixar meus filhos passarem fome.” Mas a vida que levava incomodou seus irmãos e vizinhos próximos, que a denunciaram para o conselho tutelar. Dois filhos foram levados para a adoção e os outros três ficaram com a família. “Estão na Bahia.”

Assim como os colegas, reclama de guardas e funcionários das subprefeituras. “Levaram todos os meus documentos. Eu já tenho pouca força de vontade para sair dessa vida. Aí eles vêm e pioram tudo.”

Sem opção

Já nas casas de atendimento o perfil dos frequentadores é diferente. O pintor Manoel Oliveira Neto, de 54 anos, está desde 2010 nas ruas. Viu um casamento de 27 anos desmoronar da noite para o dia e, dali em diante, entrou em depressão. “Comecei a andar na rua, sem rumo.”

Ele vive, desde o ano passado, no abrigo Zancone, na zona oeste da cidade. “Passo o dia jogando dominó, jogando baralho, vendo televisão”, disse. Neto até tentou recorrer aos filhos. “O mais novo, de 17 anos, me pediu que comprasse um celular para ele me ligar. Eu juntei dinheiro e comprei. Mas ele nunca me ligou”, lamentou.

Francisco Cesário, de 66 anos, está há seis meses no mesmo abrigo de Neto. Um problema no coração o impediu de continuar a trabalhar. “Eu até tenho família, mas não queria que me vissem assim. Não vejo minha filha há uns 10 anos e nem quero que ela me veja. A vida na rua é cruel. Sou idoso. Minha única diversão é pegar o ônibus, ir até o final e voltar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.