Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica, o professor armênio, naturalizado brasileiro, Vahan Agopyan acaba de assumir a reitoria da Universidade de São Paulo, a maior da América Latina. Com noventa mil alunos e seis mil docentes, a instituição detém alguns dos melhores cérebros brasileiros e é responsável por várias das principais pesquisas desenvolvidas no País. Ao longo dos últimos três anos, no entanto, amargou uma grave crise financeira decorrente da queda na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, da qual recebe 5%, assim como as duas outras universidades públicas de São Paulo (Universidade Estadual Paulista e Universidade Estadual de Campinas). Para os próximos quatro anos em que exercerá seu mandato, Agopyan prevê um cenário melhor. “A situação continua difícil, mas não temos mais o risco de não honrarmos nossos pagamentos”, disse nessa entrevista à ISTOÉ. Um dos desafios que enfrentará será o de consolidar a implantação do sistema de acesso à universidade por meio das cotas raciais e socias. “Mas elas devem ter prazo para terminar. Devemos lutar pela melhoria do ensino básico e médio. ”

O senhor assume a reitoria da USP em um dos momentos financeiros mais delicados da instituição. Que perspectivas enxerga?

Estou confiante. A USP saiu da crise. Embora continuemos em uma situação ruim, o risco de não podermos honrar os pagamentos acabou. Mas os recursos estão muito limitados e as reservas, baixas. Temos que ter controle financeiro rigoroso.

O que houve para que a universidade chegasse a esse ponto?

Uma somatória de três ações negativas. Na década passada, com o aumento da arrecadação do ICMS, as três universidades públicas estaduais sentiram-se na obrigação de aumentar o número de vagas e de docentes. A USP, por exemplo, criou o campus leste, com cinco mil alunos, cursos foram implantados no campus de Ribeirão Preto e incorporamos a faculdade de engenharia de Lorena. Isso aumentou o custo fixo e tivemos um descontrole das despesas e da folha de pagamento. Durante três anos ela foi maior do que o orçamento. E o ICMS diminuiu em valores reais entre 2014 e 2017. Ficamos numa situação dificil.

O que foi feito?

Com a autonomia administrativa-financeira, o reitor pode tomar medidas como o plano de demissão voluntária de 2015 e 2016 e a suspensão de contratações. E tínhamos reservas de segurança. Vemos até mesmo despesas pequenas, como controle de carros. Eu e o vice-reitor, Antonio Carlos Hernandes, usamos nossos carros, por exemplo. Isso tudo demonstra para a sociedade que estamos tomando cuidado.

A universidade registrou saída significativa de profissionais durante a crise?

Ouço muito isso. Tal unidade está perdendo profissionais etc. Perguntei ao diretor da área, a de economia e administração, que tem 300 professores. Um professor saiu. Mas uma universidade só existe quando tem talentos. Com a atual dificuldade de recursos, porém, os salários iniciais não são atraentes.

Esse é o único problema?

Não. Aqui uma pessoa com vinte anos de carreira chega ao topo. Então, o começo está ruim e o final chega rapidamente. Isso estimula pedidos de aposentadoria precoce. Em vez de continuar na instituição, o pesquisador se aposenta para tentar ter outra fonte de renda fora daqui.

A ciência brasileira vive hoje a sua pior crise?

É uma situação muito delicada. Estamos vivendo um retrocesso. Isso é muito grave porque, quando se quebra a sequência da pesquisa, não se consegue reativá-la imediatamente. Isso está acontecendo muito. Em São Paulo não sentimos tanto porque um dos órgãos que financia nossos estudos é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que continua sólida. Mas a USP teve redução sensível das verbas federais.

O que acha da crítica de que as universidades públicas não dariam retorno à sociedade do que recebem e nem seriam transparentes?

Esse é o ponto mais crucial que as universidades de pesquisa estão enfrentando em nível mundial. Na reunião do Fórum Mundial de Davos desse ano, 21 universidades de pesquisa de ponta de 11 países apresentaram um relatório informando o que tinham feito. Parte das pessoas nos enxerga como uma escola de terceiro grau. Outros nos vêem como centro de pesquisa. É difícil mostrar que somos centros formadores de profissionais com capacidade de desenvolver o país, que somos instrumentos de mudança da sociedade. E isso é incomensurável.

Que exemplos o senhor pode dar da USP?


Quanto vale cada vez que a universidade monta um campus? Veja o de São Carlos, por exemplo. A maior base de empresas tecnológicas do país fica lá. Em Ribeirão Preto, a parte de medicina é referência internacional, assim como é Bauru na área de odontologia. Como mensurar o desenvolvimento que essas cidades tiveram?

No ano passado, pela primeira vez a USP foi ultrapassada pela Unicamp em um dos rankings das melhores universidades do mundo, o Times Higher Education (THE). Como explica isso?

Cada ranking tem o seu viés. Se olharmos na classificação internacional do THE, somos a primeira da América Latina. Na regional, aparece a Unicamp. Mas não estou preocupado. Fico feliz de nossa co-irmã ter aparecido assim. Respeitamos os rankings, mas não somos conduzidos por eles.

Existe uma razão para que a USP tenha demorado tanto a adotar o sistema de cotas?

Estudamos muito as coisas e a comunidade interna precisava estar consciente do tema.

Isso não contribuiu para reforçar a imagem de que a USP é uma universidade elitista?

As pessoas não se lembram que já estamos há três anos com as cotas. Não queremos criar entraves para forçar uma situação dentro de um ambiente em que tudo é discutido. Começamos timidamente, mas hoje isso está resolvido.

Quais os resultados da implantação das cotas?

Por enquanto está tudo normal. Estamos montando uma comissão para avaliar melhor isso tudo, principalmente agora que estão entrando mais alunos na cota racial. Antes era prioritariamente pela social.

Como os alunos admitidos pelas cotas estão se saindo?

As dificuldades são pontuais e ainda não valem a pena serem externadas porque estatisticamente não são válidas. O que podemos dizer é que temos casos de certa deficiência em Português e em algumas áreas matemáticas. Criamos cursos à distância para que os alunos supram essas carências.

Que impacto elas terão para a universidade?


Queremos atrair os talentos e até recentemente isso só acontecia entre quem tinha condições de se preparar para a Fuvest. As cotas estão permitindo que recuperemos uma parte dos talentos que não tinha acesso à universidade. Porém, elas devem ser vistas como algo transitório, com prazo para terminar. Temos que lutar pela melhoria do ensino básico e médio. Esse deve ser nosso objetivo como cidadãos.

Quanto tempo o sistema deveria durar?

Se nós como sociedade decidirmos que educação é prioridade numero um, em dez anos modificamos a situação atual e as cotas não seriam mais necessárias. A África do Sul fez esse processo em quinze anos. Mas não está claro para a sociedade brasileira que a educação é a solução para os problemas do País. Ela reduz não apenas problemas de saúde, por exemplo, mas de comportamento. Um povo educado é menos corrupto ou admite menos a corrupção do que um sem formação suficiente.

A USP aderiu ao Sistema de Seleção Unificado, o Sisu. O que sr. diz sobre as críticas de que as notas de corte são muito altas e impedem o acesso de mais alunos pelo processo?

Estamos aprendendo a lidar com o sistema e discutiremos como adaptar as notas ao desempenho que se quer do aluno. Mas devemos ter cuidado. O estudante tem que entrar na USP e não apresentar dificuldade de continuar. A nota não deve ser tão extrema, mas é preciso haver um limite mínimo.

Há planos de criação de cursos que acompanhem a enorme transformação no mercado de trabalho vivida hoje?

Estamos revendo os cursos que temos e os readequando. Abrimos, por exemplo, um curso de biotecnologia que começa no fim do mês. Pegamos as vagas para as quais a demanda era menor e oferecemos um curso que teve nove candidatos por vaga. No entanto, é importante ficar claro que nossa obrigação é dar formação ao aluno. A informação vai mudar muito rapidamente. Mas, tendo formação sólida, ele se adapta às mudanças. Estamos nos rearranjando dentro desse objetivo.

Como os estudantes têm chegado à universidade do ponto de vista da formação?

A nova geração sai do ensino médio muito protegida. Tem as apostilas, tudo é organizadinho. Aí o aluno entra em uma universidade, principalmente em uma de pesquisa como é a USP, nas quais as coisas não são lineares e pouco flexibilizadas. Aqui, ao contrário, defendemos a flexibilidade do estudo, com a possibilidade de fazer aulas em outras faculdades. Ele sofre.

Que tipo de apoio é oferecido para a adaptação?

Precisamos fazer com que o aluno se sinta bem por meio de atividades esportivas e culturais. Há a necessidade, inclusive, de suporte psicológico e psiquiátrico. Trata-se de um problema que está acontecendo no mundo e as grandes universidades estão andando nesse caminho. Elas detectam que o aluno tem necessidades especiais, financeiras, de apoio psicológico. E os governos assumem a responsabilidade por esse cuidado.

E aqui no Brasil?

A universidade arca com isso, embora não seja seu papel. Em relação à USP, há o mito de que o aluno é rico. Não é. Há os ricos, que vêm com seus carros luxuosos. Mas o grosso dos nossos estudantes é de classe média alta, média e baixa. Mais de 10% dos alunos conseguem estudar aqui porque fornecemos ajuda não apenas para refeição, moradia, transporte, mas também damos bolsas. Em muitos casos, além de não ter como bancar os estudos, ele é arrimo de família, o que complica mais ainda as coisas. O fato de ele não trabalhar prejudica seus familiares.

 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias