Às vésperas das tarifas de 50% do governo dos Estados Unidos serem impostas sobre os produtos brasileiros enviados ao país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou viver seu melhor momento e estar “muito motivado” para as eleições de 2026.
Lula não expôs a razão do otimismo, mas a declaração feita no domingo, 3, se soma a uma sequência de sinais de satisfação com os rumos do próprio governo e os resultados do embate com Donald Trump, presidente dos EUA.
O brasileiro não é o primeiro a faturar politicamente com a oposição às ações do republicano, que nutre relações pouco diplomáticas com governos de países como Canadá, França e México. Neste texto, a IstoÉ explica a estratégia do petista e a situa na comparação com outros chefes de Estado pelo mundo.
De volta ao jogo
Às vésperas de concluir a primeira metade do mandato, em dezembro de 2024, o presidente sofreu uma hemorragia intracraniana e teve de passar por uma cirurgia de emergência em São Paulo. O episódio despertou dúvidas quanto a sua condição para disputar mais uma eleição — aos 79 anos, o petista concluiria um eventual novo governo com 84.
Depois, enfrentou uma sucessão de crises geradas por decisões internas, como a do Pix e a do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que o arrastaram ao pior patamar de aprovação popular no Palácio do Planalto (ele havia ocupado o cargo de 2003 a 2010), reduziram seu apoio em setores da população historicamente simpáticos ao PT e azedaram de vez a relação entre governo e Congresso.
O cenário reduziu o espaço para Lula fazer discursos com apelo popular, afastou partidos de centro e inaugurou antecipadamente a “bolsa de apostas” para 2026.

Lula exibe boné e fala em soberania nacional: estratégia teve efeitos nas pesquisas
Até que Trump anunciou o tarifaço contra o Brasil, citando Jair Bolsonaro (PL) como motivação. Após a retaliação comercial, o americano ainda revogou vistos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e enquadrou Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky, considerada uma espécie de “morte econômica” para seus alvos.
Na resposta, Lula ignorou conselhos de setores mais moderados, não conversou diretamente com o chefe da Casa Branca e apostou no discurso da soberania nacional. Em eventos públicos, notas oficiais e reuniões com magistrados, repetiu que não toleraria qualquer tipo de interferência estrangeira sobre as instituições brasileiras, fosse ela econômica, política ou judicial, e passou a articular uma reação jurídica às medidas americanas.
Ao mesmo tempo, vocalizou a associação entre Bolsonaro e os danos potenciais do tarifaço para a economia do país — mesmo inelegível até 2030, o ex-presidente é seu principal oponente político — e deixou a negociação diplomática a cargo de interlocutores, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
A estratégia rendeu frutos. Em 15 de julho, Atlas e Bloomberg mostraram que 44,8% dos brasileiros aprovavam a reação do petista ao tarifaço; um dia depois, Genial e Quaest indicaram uma reação, ainda que sensível, na aprovação do governo: de 40%, em pesquisa de maio, ela foi a 43%. Enquanto isso, lideranças da direita tentaram um cavalo de pau para tomar distância dos desmandos de Trump.
Horas antes de Lula externar seu otimismo, no domingo, o extrato veio com uma pesquisa do Datafolha, segundo a qual 71% dos brasileiros o veem como candidato à reeleição, somando os 48% que estão certos disso e 23% que consideram o cenário possível. Essa crença tinha 62% de adesão em abril, e 66% em junho.
Jurisprudência estrangeira
Ao tomar posse para seu novo mandato, Trump elegeu o México como alvo. Prometeu enviar tropas e “declarar emergência nacional” na fronteira ao Sul para impedir “invasões” — cerca de cinco milhões de mexicanos vivem nos EUA sem autorização, conforme dados do Censo americano. Depois, veio o anúncio de tarifas de 25% sobre produtos de origem mexicana.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, reagiu rapidamente. “Quando negociamos com outras nações, sempre o fazemos de cabeça erguida, nunca de cabeça baixa”, afirmou, antes de anunciar uma retaliação comercial. A Casa Branca suspendeu a tributação dos produtos mexicanos e Trump “baixou o tom” em relação à chefe de Estado vizinha.
A resposta deu a Sheinbaum controle sobre uma narrativa de soberania e proteção dos interesses nacionais, com efeitos internos claros: sua aprovação chegou a 85%.

Claudia Sheinbaum: presidente do México tem mantido posição ‘firme’ na relação com vizinhos
Coisa parecida ocorreu no Canadá, a quem Trump responsabiliza pela entrada do opióide fentanil nos EUA e chama, pejorativamente, de “51º estado americano”. A Casa Branca impôs tarifas de 25% sobre produtos e 10% para a importação de energia canadense e o republicano não negou o uso de força militar para anexar a nação ao território americano.
Como Sheinbaum e antes de Lula, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, respondeu. Afirmou não haver “a menor chance” de anexação, apelou às comunidades trabalhadoras dos dois países e anunciou tarifas de 25% sobre os produtos americanos, até que Trump recuasse na guerra comercial.
João Estevam dos Santos, professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi e pesquisador do Isape (Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia) explicou à IstoÉ que tanto o México quanto o Canadá têm interesse em manter relações comerciais saudáveis com os EUA, uma vez que assinalam grande integração econômica com a potência vizinha.
“A abordagem adotada pelos governos mexicano e canadense tem sido direcionada, até o momento, pelo duplo objetivo de encontrar uma saída negociada para o impasse do aumento das tarifas ao mesmo tempo em que se pretende preservar a USMCA (sigla em inglês para o Acordo Estados Unidos-México-Canadá) dada a importância do bloco para a economia dois dois países”, afirmou.
Essa movimentação internacional surge em um contexto de consolidação do multilateralismo, com organizações como a OMC (Organização Mundial do Comércio) tomando maior espaço – o que desagrada Trump.

Justin Trudeau, ex-primeiro-ministro canadense: crise política superada com oposição a Trump
No âmbito interno, opor-se ao vizinho fez Trudeau superar uma crise política que, em janeiro, o levou a renunciar ao cargo de premiê — sob pressão parlamentar, falta de apoio popular e sem perspectivas de eleger um sucessor.
No final das contas, o presidente dos EUA deu um palanque involuntário ao canadense, que viu seu Partido Liberal reverter uma ampla vantagem dos Conservadores e eleger Mark Carney, ex-governador do Banco do Canadá, para sucedê-lo no cargo. Em artigo publicado após a eleição canadense, a rede NBC News afirmou que Trump está “tornando os moderados populares novamente”.
Em busca do ‘inimigo externo’
Cruzando o Oceano, o chefe da Casa Branca se opôs ao alinhamento europeu em torno da defesa incondicional da Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ao contrário do antecessor no cargo, Joe Biden, que concedia ajudas bilionárias e autorizou as tropas ucranianas a usarem mísseis de longo alcance, Trump impôs condições para manter o apoio e sugeriu ao presidente Volodymyr Zelensky uma troca por terras raras e minerais essenciais de seu território. Os dois chegaram a discutir no Salão Oval (veja abaixo).
Tomaz Paoliello, coordenador do mestrado em governança global e formulação de políticas internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), disse à IstoÉ que “ainda que sejam independentes nas demais áreas, os europeus são condicionados pelos EUA em termos estratégicos e militares”, o que prenunciou a reação tímida do continente à mudança de postura americana.
Neste cenário, Emmanuel Macron, presidente da França — único país europeu com poder nuclear — reiterou o respaldo europeu a Zelensky, discursou pelo fortalecimento militar europeu e corrigiu Trump sobre os termos do apoio financeiro concedido à Ucrânia.

Macron e Trump: cordialidade da imagem contrasta distância das posições políticas
O movimento o alçou a uma posição de liderança na União Europeia, em contraste com a fragilidade interna — em janeiro, Macron atingiu a menor popularidade desde o início do mandato (21%). “Ele parecia mais fraco do que nunca desde que dissolveu o Parlamento [em junho de 2024] e mergulhou em uma crise sem precedentes. Mas mudou seu foco para a política externa”, relatou a agência de notícias Associated Press.
Segundo Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de Análise de Estratégia Internacional da USP (Universidade de São Paulo), a criação da “rivalidade pública” é um artifício historicamente utilizado por líderes políticos a favor do engajamento popular — incluindo Trump e Lula. “A ideia do ‘inimigo externo’ sempre atrai a atenção da opinião pública doméstica, galvanizando os interesses nacionais em torno de uma ameaça estrangeira”.