Chefe de Estado significa, na teoria política, o indivíduo que representa oficialmente a unidade nacional e a legitimidade de uma nação soberana. Existem três pontos a norteá-lo. Há sentimentos próprios sobre os quais um chefe de Estado fala publicamente. Há sentimentos, igualmente próprios, sobre os quais um chefe de Estado fala somente para o seu círculo de pessoas mais íntimas. E há, finalmente, profundos sentimentos que um chefe de Estado mantém sob absoluto silêncio — carrega-os consigo, e somente consigo, para a eternidade. O presidente Lula embaralhou tudo isso e falou o que não devia em entrevista ao portal Brasil 247. De forma personalíssima colocou-se acima da racionalidade do cargo.

Lembrando os tempos de prisão, dixit: “De vez em quando um procurador entrava lá dia de sábado (na sala em que estava preso), ou dia de semana, para visitar, perguntar se estava tudo bem. Eu falava ‘não está tudo bem, só vai estar bem quando eu foder esse moro’”. Lula, ao requentar o passado, trouxe ao presente um discurso de ódio, e não é isso que o Brasil espera dele.

É claro que não existe um único presidiário que não odeie o juiz que o encarcerou. Mas de você, Lula, que se elegeu com o democrático discurso de apaziguar um Brasil cindido pelo radicalismo – cisão essa promovida, sobretudo, pelo seu antecessor autoritário Jair Bolsonaro e apoiadores com ou sem mandato –, não é isso que o Brasil aguarda.

O líder mundial e Nobel da Paz Nelson Mandela (morreu em 2013), unificador étnico da África do Sul e de quem você procura seguir bons passos, atravessou vinte e sete anos na cadeia – a elite branca o odiava. Talvez não tenha caído uma única noite no cárcere sem que Mandela houvesse xingado em pensamento os seus adversários. Quando libertado, no entanto, abriu mão do discurso de ódio e jamais feriu com palavras chulas a liturgia do cargo de presidente. Lula, embora se referindo a sentimentos passados, desprezou tal liturgia com palavreado de baixíssimo calão. Ao falar aquilo que falou, agiu como o próprio Bolsonaro costuma agir, e acabou dando ao ex-juiz Sergio Moro, que o condenou na Lava Jato, a chance de visibilidade política.

Max Weber, o mais erudito fundador da sociologia, dividiu a ética: existe a ética da convicção que engloba os sentimentos pessoais e desenrola-se na esfera da vida privada do governante. E há a ética da responsabilidade que todo chefe de Estado tem de sobrepor à primeira em nome do bom governo e da harmonia social. Essa harmonia, Lula, você prometeu ao País — e é ela que os brasileiros democráticos querem que você coloque em prática; não a incitação ao exercício do ódio.