Assim como em outros momentos difíceis da história da Argentina, a música emblemática de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber torna-se oportuna para espelhar a situação caótica, as incertezas e os temores que vive o país às vésperas de escolher seu novo presidente. Na disputa estão o peronista Sergio Massa e o ultrarradical Javier Milei, com propostas diametralmente opostas para colocar a economia nos eixos.

Embora Milei tenha vencido as eleições primárias em agosto, foi Massa quem deu a virada e levou a melhor no 1° turno no último dia 22, conquistando 36,7% dos votos frente a 30% de seu opositor.

Os argentinos se assustaram com as propostas mirabolantes de Milei de dolarizar a economia, acabar com o Banco Central e com os benefícios sociais na aposentadoria, saúde e educação, em um contexto de inflação ao redor de 140% ao ano e com 40% da população em estado de pobreza, aponta Flávia Loss, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

“Massa se beneficiou com uma boa campanha e ao falar da retirada de direitos sociais proposta por Milei. Ao mesmo tempo, valorizou os direitos sociais, contrapondo-se a seu rival”, avalia ela.

40% da população está em estado de total pobreza
140% de inflação ao ano, e queda do poder aquisitivo de 7,5% ao mês

O resultado do 2° turno, em 19 de novembro, está ainda longe de uma definição. Milei conseguiu um trunfo importante com o apoio declarado de Patricia Bullrich, candidata que ficou em 3° lugar nas eleições e teve 23,8% dos votos.

Para a especialista, é imprevisível saber o efeito dessa aliança nas votações, porque é inédita. “Difícil prever para onde o eleitorado macrista se inclinará. Eles não gostam do radicalismo do Milei, mas talvez gostem menos do kirchnerismo. Será uma decisão pelo que eles enxergam como menos pior nesse momento.”

Enquanto isso, Massa, ministro da Economia do atual governo, tenta adotar medidas imediatas para segurar o dólar na reta final das eleições. Ele precisa dar respostas rápidas à sociedade, que vem perdendo 7,5% do seu poder aquisitivo a cada mês.

Na última semana, valendo-se da máquina estatal, Massa baixou medidas favoráveis a exportadores que anteciparem a conversão de sua receitas em dólares para pesos. É um atalho para aumentar a oferta da divisa americana e frear o seu preço. O dólar alto encarece os produtos importados, que pesam no custo de vida da população.

Massa já adotou medidas para segurar o dólar e, por tabela, a inflação até o 2º turno (Crédito:Luis Robayo)

Seja quem for, o eleito terá grandes desafios econômicos pela frente.

“A situação da Argentina é muito grave, e a solução é dura e demorada.”
Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral

Em sua opinião, para segurar a inflação será preciso reduzir os gastos do governo e parar de imprimir dinheiro para cobri-los. Movimento que implica uma disciplina fiscal muito forte.

Ao mesmo tempo terá de abrir o mercado para investimentos estrangeiros, dos EUA, Europa e China, com privatizações e concessões.

O economista e professor do Departamento de Economia da PUC-SP Carlos Eduardo Carvalho enumera as possiveis mudanças que seriam promovidas por Massa:
segurar o dólar;
tentar um grande acordo nacional atraindo integrantes de outros partidos e setores empresariais;
 segurar os salários;
ajustar o déficit público com aumento de receitas e corte de subsídios;
e atrair dinheiro do Fundo Monetário Nacional.

Javier Milei quer dolarizar o país, acabar com benefícios, com o Banco Central e sair do Mercosul (Crédito:Federico David Gross)

O ultrarradical

Já o que aconteceria com Milei é imprevisível: “Ele parece ser maluco o suficiente para romper com o Brasil e China e também enfraquecer o Mercosul em uma política suicida de adesão total aos EUA. Difícil saber para onde vai a Argentina se ele ganhar”, diz Carvalho.

Para Paulo Feldmann, professor da FIA Business School, “se Milei dolarizar a economia, como prometeu em campanha, é o fim da Argentina”, explicando que, ao fazer isso, o país perde autonomia sobre a sua política econômica e fica à mercê do comportamento do dólar.

“Acho que o Massa tem o diagnóstico correto da crise na Argentina” afirma.

A atual crise argentina, segundo ele, tem origem nos anos 1990, quando, assim como o Brasil, o país assinou o Consenso de Washington, com abertura total da economia e enfraquecimento da indústria local.

O objetivo era abrir mercados para as empresas americanas, mas na realidade o espaço foi ocupado pela China, que inundou o mundo com seus produtos. “Os que conseguiram avançar foram os que ficaram fora do consenso, como os países da Ásia e da Europa. Quem seguiu, ficou para trás, a América do Sul não cresceu nada.”

Uma das saídas para o país estaria na exploração de suas riquezas naturais, entre elas, e principalmente, o lítio. Tanto a Argentina como o Brasil são exportadores do metal, comprado pela China para fabricação de baterias de celular e de carros elétricos.

“Os países da América do Sul precisam ganhar protagonismo e tirar alguma vantagem de sua riqueza natural, não apenas como exportadores, mas transformando o lítio em produtos”, argumenta Feldmann.