Nando Reis expõe em podcast conflitos dos Titãs e saída gradual de integrantes

Na concorrida turnê Titãs Encontro – Todos ao mesmo Tempo Agora, em que a banda roda o Brasil com a reunião de seus integrantes originais, há um momento especial para relembrar o álbum Acústico MTV, um dos mais bem sucedidos de sua carreira, lançado em 1997.

Porém, para o músico e compositor Nando Reis, um dos sete titãs que participa desse reencontro, o projeto Acústico tem um travo amargo – e está longe de significar o auge da banda, embora, à época, a vendagem de 500 mil cópias e uma turnê longeva pudesse indicar o contrário.

Nem tudo são flores. “A MTV (promotora do projeto) fez esse período parecer mais relevante, mas eu não considero o apogeu dos Titãs. (O Acústico) é um disco de regravações”, diz Nando, no segundo episódio de seu podcast narrativo Lugar de Sonho, que chega às plataformas digitais nesta segunda-feira, 3 de junho.

Em tom bastante sincero durante todo o episódio – e se colocando como protagonista dos fatos em muitos momentos – Nando prossegue: “A gênese e a definição dos Titãs como identidade musical se deu nos seus primeiros dez anos, quando o Arnaldo (Antunes) estava lá. Os 10 anos subsequentes, que incluem o Acústico, são consequência. Eu trato como produtos correlatos do que criamos antes”, diz. Nando ficou por 20 anos no Titãs. Saiu do grupo em 2002, após o Arnaldo.

A análise que Nando faz sobre o projeto Acústico é apenas o ponto de partida para que ele exponha os conflitos que o levaram a sair da banda. No meio a oito integrantes protagonistas, cada um com uma especificidade e personalidade bem definida, sobram acusações de desencontros artísticos – e até de boicote.

O que Nando conta em quase 40 minutos de podcast é importante também para atender o que levou à saída gradual de quase todos os membros do grupo ao longo dos anos – dos integrantes originais, Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Belloto tocam a banda desde 2016. Tudo fica bastante claro, nesse sentido.

A acusação mais contundente feita por Nando envolve justamente o álbum Acústico. O músico narra o fato com certa mágoa, mesmo depois de quase 30 anos, e mesmo que ele envolva um de seus grandes amigos dentro dos Titãs: o músico Marcelo Fromer, que morreu em 2001.

Aos acontecimentos, de acordo com Nando: o álbum Acústico tinha quatro músicas inéditas – uma para cada cantor do grupo. Nando fez Os Cegos do Castelo. Segundo ele, essa foi a escolhida pela gravadora para ser o single do Acústico. O lançamento estava programado para ser feito pela rádio 89 FM, a Rádio Rock.

Fromer trabalhava na 89. Ele apresentava o programa 89 Gol, ao lado do ex-jogador Casagrande e do jornalista Luciano Jr. Nando acusa Fromer de vazar, de propósito, a também inédita Nem 5 Minutos Guardados, parceria dele com Sérgio Britto, para a 89 pudesse tocar antes de Os Cegos do Castelo. A primeira caiu no esquecimento; a segunda é um dos grandes sucessos da banda – e de Nando – até hoje.

“Conto com certa raiva”, diz Nando, agora. “Sempre achei isso como parte da nossa ruptura (dele com a banda)”.

Um pouco antes

A deterioração da relação de Nando com o restante da banda, no entanto, já dava longos passos mesmo antes do ocorrido no Acústico. No podcast Lugar de Sonho, Nando ainda narra que seu primeiro álbum solo, 12 de Janeiro, lançado em 1995, antes dele abandonar de vez os Titãs, gerou certo problema para a banda. E, como se trata de banda – e de rock – isso envolve ego.

Nesse disco, Nando gravou as canções que foram rejeitadas para o disco Titanomaquia – o fato da banda negar suas composições foi crucial para o músico perceber que os companheiros já o consideravam um ex-Titãs. “Só não saí (nessa época) porque não tinha condições financeiras – e emocionais também. Eu gostava da banda”.

Segundo Nando, ao lançar Titanomaquia, os Titãs foram tratados pela mídia como uma banda obsoleta. As rádios não tocaram as músicas do álbum e os shows diminuíram. Para uma banda sempre atenta à massa, foi um choque.

“Eu arrisco a dizer que música do meu disco solo, Me Diga, fez muito mais sucesso do que qualquer música do Titanomaquia”, diz Nando. “Isso passou a ser um parâmetro incômodo (para os Titãs)”, completa. Nessa época, Nando começou a trabalhar com Marisa Monte e a fazer parcerias com o Skank (Nando falou sobre isso em entrevista ao Estadão, em janeiro de 2023).

O músico ainda diz que a sonoridade de 12 de Janeiro, no qual ele tocou violão de nylon, teve influência na mudança de rota no Titãs a partir do álbum Domingo, o que antecede o Acústico. Nando diz que a banda havia abolido dois elementos que eram essenciais para ele: o violão e a palavra ‘amor’. “Em Domingo isso saiu da inquisição”. O som da banda voltou a ser pop – e foi dar no Acústico.

Para o projeto Acústico, Nando disse que lutou para trazer de volta o produtor Liminha (que fez parte dos Mutantes e produziu, para os Titãs, o lendário Cabeça Dinossauro) para assinar a produção. Deu certo. “Tudo no Titãs era à custa de muita saliva, muita lábia”, diz, bufando.

Quem assistiu à reunião dos Titãs para a turnê Titãs Encontro – Todos ao mesmo Tempo Agora (uma das apresentações em São Paulo está disponível na íntegra no Globoplay) percebe que Nando, mesmo com os sentimentos mais belos que a ocasião desperta nos fãs, continua sendo – e é o exemplo mais forte – de um ex-Titãs.