Na semana passada, quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF, mandou tirar do ar   perfis de bolsonaristas nas redes sociais, afirmei que a decisão constituía censura. Agora vou argumentar que não há nada de errado com a ação do presidente Jair Bolsonaro ajuizada neste fim de semana contra a medida de suspensão. Pois é. Nem mesmo Bolsonaro está errado 100% das vezes.

A iniciativa do presidente foi muito criticada, porque ele acionou Advocacia Geral da União para impugnar a decisão de Moraes. Seria uma forma de utilizar um órgão do Estado para defender e beneficiar seus apoiadores.

O contra-argumento é que Bolsonaro, na verdade, acionou a AGU para defender o princípio constitucional da liberdade de expressão, que teria sido atacado pela ordem de suspender os perfis do Twitter e do Facebook. Ele usou uma ferramenta jurídica bastante especial, a ação direta de inconstitucionalidade, que tem apenas nove autores possíveis segundo a lei – sendo um deles o Presidente da República.

Ah, mas na prática não dá na mesma? Não é Bolsonaro querendo ajudar sua gangue?

Discutir motivação, nesse caso, equivale a praticar adivinhação. Impossível saber se Bolsonaro quer salvar a pele dos amigos, se quer realizar uma discussão de alto nível sobre valores constitucionais ou uma mistura das duas coisas.

Como é impossível saber, a motivação é irrelevante. Importa que o presidente tem legitimidade para ajuizar a ação. Importa também que a petição da AGU tem argumentação sólida e faz uma leitura qualificada das leis, da doutrina e da jurisprudência, inclusive do próprio STF.

A menos que a ação tenha algum vício formal que não estou enxergando, ela deve ser avaliada no mérito pelo plenário do Supremo. E o resultado não incidirá apenas sobre o caso dos bolsonaristas. A sentença deve ter repercussão mais ampla, refinando a maneira como a Justiça vai reagir daqui para frente ao bullying político nas redes sociais.

Também já argumentei neste espaço que Bolsonaro deveria aprender a utilizar a lei para reagir a acontecimentos que o contrariam ou que ele considera uma afronta. Esse é um caminho mais saudável e civilizado que insuflar um golpe de Estado a cada revés.

Três meses atrás, o presidente teria reagido exatamente assim à penalização da sua tropa de choque. Teria subido a um palanque para berrar. Desta vez foi diferente. E não sou eu quem vai reclamar por ele ter domado o seu demônio interior, preferindo levar a briga para o ringue do Judiciário.