Nas margens do sagrado rio Ganges, um sacerdote hindu pronuncia calmamente sua ameaça: sua religião deve estar no centro da identidade da Índia, 75 anos após sua independência.

“Devemos nos adaptar aos tempos”, diz o sacerdote Jairam Mishra, “devemos cortar a mão de qualquer um que se levante contra o hinduísmo”.

Os hindus são o grupo religioso majoritário entre os cerca de 1,4 bilhão de habitantes da Índia, mas quando o país conquistou a independência dos britânicos em 1947, tornou-se um Estado laico e multicultural.

Agora, pedidos de grupos de direita para declarar o país uma nação hindu, com maior peso nas leis para esse grupo religioso, aumentam o medo entre os cerca de 210 milhões de muçulmanos indianos.

Essas reivindicações são essenciais para entender a popularidade do primeiro-ministro nacionalista Narendra Modi e as ações de seu governo, como a construção de um corredor faraônico que liga o Ganges aos templos da cidade sagrada de Varanasi.

Mahatma Gandhi foi um hindu devoto, mas insistia na necessidade de criar uma Índia laica em que “todo homem goze do mesmo status, qualquer que seja sua religião”. Ele foi assassinado apenas um ano após a independência e divisão da Índia e do Paquistão por um fanático hindu que o considerava muito tolerante com os muçulmanos.

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Para muitos, a mudança já está em andamento, como comprovam os grandes projetos ligados ao hinduísmo promovidos pelo partido de Modi, o Partido do Povo Indiano (BJP), no poder há oito anos.

– Ataques contra minorias –

Na cidade de Allahabad (norte, renomeada Prayagraj em 2018), as autoridades derrubam as casas dos acusados de crimes (principalmente muçulmanos), o que os ativistas veem como um ataque inconstitucional às minorias.

Em Karnataka, o BJP apoiou a proibição do hijab (um lenço que cobre a cabeça, mas deixa o rosto visível) nas escolas, provocando protestos muçulmanos nas ruas.

Para Harsh V. Pant, professor do King’s College London, a ascensão do BJP foi inerente ao longo período de poder do Partido do Congresso de Gandhi que, ao mesmo tempo em que pregava o laicismo, atendia aos extremistas das duas principais religiões para fins eleitorais.

O BJP aproveitou o renascimento do sentimento hindu após a demolição da mesquita de Ayodhya em 1992 e conseguiu impor sua narrativa: “Todo mundo compra, então eles estarão aqui pelas próximas duas ou três décadas”, explica Pant.

A posição de força do BJP é uma bênção para aqueles que querem ver a Índia transformada em uma nação hindu, como o movimento de direita Vishwa Hindu Parishad.

Como primeiro-ministro, as ações de Modi, segundo seus críticos, equivalem a apelos a uma nação hindu, embora sem endossá-la explicitamente. E muitas vezes ele ignora comentários incendiários de figuras de seu próprio partido.

Tudo isso preocupa muçulmanos como Nasir Jamal Khan, de 52 anos, guarda de uma mesquita em Varanasi: “Há um sentimento de divisão crescente”, afirma, embora “nossos ancestrais tenham nascido aqui”.


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